A Holanda tem que suspender até domingo (18) o fornecimento de peças para a manutenção dos aviões de guerra F-35 utilizados, na Faixa de Gaza, por Israel na guerra contra o grupo armado Hamas, segundo sentença do Tribunal de Recursos da região de Haia. 

A Corte Suprema de Haia determinou a suspensão do fornecimento de peças para o avião de combate F-35 de Israel, atendendo a um pedido de organizações civis, a saber Oxfam Novib, PAX e The Rights Forum.

No veredito, o juiz relator escreveu que: “existe um claro risco de que graves violações do direito humanitário de guerra sejam cometidas, por Israel, na Faixa de Gaza usando esse tipo de avião de combate F-35”.

Na sua decisão, o Tribunal de Recursos rejeita a argumentação do tribunal de primeira instância. Segundo o tribunal, foi estabelecido que Israel não leva suficientemente em conta as consequências para a população civil quando ataca alvos na Faixa de Gaza com os F-35. Os ataques “resultaram num número desproporcional de vítimas civis, incluindo milhares de crianças”.

A conclusão do juiz de apelação é considerada uma grande vitória para a ordem jurídica internacional e para este grupo de organizações civis (Ongs nacionais e internacionais baseadas na Holanda) -  que entraram com ação judicial, em novembro de 2023, exigindo que a Holanda parasse de abastecer Israel com peças substitutas ou de reserva a peças e acessórios destinados a este modelo de avião de guerra.

Peças para avião de combate

Os chamados componentes que estão no centro da proibição de exportacão são peças norte-americanas do avião de combate, que estão armazenadas em um centro logístico na base aérea da cidade de Woensdrecht.

Não se sabe exatamente quais partes estão envolvidas. “Poderiam ser sistemas de orientação de mísseis, mas também o assento do piloto, por exemplo”, diz o jornalista Rik Konijnenbelt que acompanha a questão.

Konijnenbelt acrescenta que em 2016 o gabinete da ocasião expandiu a exportação geral dos componentes deste modelo de avião militar, incluindo países como Israel.

Ativismo de ONGs

As organizações civis ativistas Oxfam Novib, Pax e The Rights Forum perderam a ação em primeira instância, em dezembro passado, mas recorreram, em 22 de janeiro deste ano, e o resultado da apelação publicado em 12 de fevereiro deu ganho de causa a todos os argumentos apresentados na apelação.

O diretor ds Oxfam Novib, Michiel Servaes, critica e considera cinismo a atitude do governo holandês que “envia para a região o modelo de avião C-130 transportando medicamentos e outros mantimentos para a população civil palestina e de outro centro de distribuição, na Holanda, abastece Israel com acessórios para a manutenção e conserto de uma aeronave bélica, que é o F-35 e que chega para destruir mais casas e famílias”. Essa é uma versão que ninguém mais compra, nas palavras de Servaes.

O diretor da The Rights Forum, Gerard Jonkman, chama a decisão de “devastadora para o Estado” e “uma vitória para a ordem jurídica internacional”.

E ironiza: “O juiz fez picadinho dos argumentos do Estado. É o que se chama ‘segunda-feira de dia de carne picada’ tradição cultural, em Haia.

O significado da decisão é grande, segundo Jonkman: “os direitos humanos e a ordem jurídica internacional não devem estar subordinados à relação com Israel e os EUA e aos interesses econômicos”.

Consequências desastrosas

As peças dos aviões-caça são utilizadas por Israel nos bombardeios de Gaza. Nas imagens mostradas na mídia, o uso deste avião de combate não esconde a destruição que está sendo perpetrada em território palestino. 

A decisão do tribunal de apelação surge duas semanas depois da Corte Internacional de Justiça (CIJ) ter concluído que é “possível” que Israel esteja cometendo genocídio em Gaza. A CIJ também impôs medidas vinculativas a Israel, que a Holanda diz endossar.

Depois do terrível ataque de 7 de outubro de 2023, em Israel, no qual mais de 1.200 pessoas foram mortas e centenas sequestradas, mais de 28.000 pessoas já foram mortas nos ataques israelenses a Gaza, a maioria delas, mulheres e crianças. Muitas pessoas ainda estão desaparecidas e provavelmente soterradas sob os escombros, enquanto mais de 67 mil ficaram feridas. Estas cifras colocam o número diário de vítimas muito acima do de todas as outras guerras. “Os números de vítimas são pouco compreensíveis”, afirma Michiel Servaes:

“Quase um em cada vinte habitantes de Gaza já foi morto ou ferido. Traduzido para proporções holandesas, isto equivaleria a cerca de 750.000 vítimas. A forma como aqueles que conseguirem ultrapassar esta guerra horrível reconstruirão as suas vidas é também uma grande preocupação. Mais de 50% de todos os prédios estão agora em ruínas e a decisão de suspender as doações à UNRWA (a agência da ONU dedicada ao povo palestino na Faixa de Gaza) representa um enorme risco. Não devemos nos esquecer que este desastre é 100% provocado pelo homem. Nós lemos, vemos, sabemos disso”, pontua o diretor da Oxfam Novib.

Posição do governo mantida pelos interesses

O ministério de Comércio Exterior não vai deixar por menos e vai recorrer da sentença, como declarou o ministro demissionário Geoffrey van Leeuwen. O governo holandês não considera ilegal o fornecimento de peças do F-35 a Israel, mas por enquanto vai cumprir a decisão do Tribunal de apelação. O argumento do ministério de Comércio Exterior que foi acatado em dezembro passado foi que a suspensão de fornecimento de peças e componentes a este modelo de aviões militares iria prejudicar muito a relação com Israel, com os Estados Unidos e trazer graves dificuldades financeiras para a Holanda.

Na ocasião, a vice-ministra para o Comércio Externo e Cooperação para o Desenvolvimento (VVD), Liesje Schreinemacher, teria decidido corretamente que a licença de exportação poderia ser mantida, apesar das advertências dos advogados do seu ministério de que o uso dos F-35 de fato “possivelmente cometem graves violações do direito humanitário da guerra”.

No dia 15 de dezembro de 2023, o juiz rejeitou a reclamação das organizações civis. De acordo com a decisão do juiz, a medida de Schreinemacher foi “de natureza altamente política e (a outra) financeira e o juiz deve deixar ao ministro um amplo grau de liberdade a este respeito”. As organizações anunciaram que iriam recorrer. A apelação foi entregue em 22 de janeiro. O veredito saiu nesta segunda-feira (12).

Reações internas e no exterior

A guerra em Israel divide a opinião pública na Holanda. Já no exterior, a primeira reação sobre a decisão do tribunal de Haia sobre o F-35 veio de Josep Borrell, que é o Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança. Ele destacou que há um risco inequívoco – de violação humanitária - se os componentes do F-35 continuarem abastecendo com acessórios as aeronaves militares pertencentes a Israel.

Seguindo a mesma linha de raciocínio que o tribunal de apelação de Haia, antes mesmo do juiz publicar sua decisão, o governo regional da Valônia, na Bélgica e o governo de Espanha anunciaram, esta semana, que iriam parar as exportações de armas para Israel devido ao alto risco de contribuir para graves violações do direito humanitário de guerra.

A decisão da Tribunal de Apelação de Haia chegou no momento em que o primeiro-ministro demissionário da Holanda, Mark Rutte, estava em visita a Israel. Segundo ele, foi feito o enfático pedido para que Israel não ataque o minúsculo e quase totalmente destruído acampamento palestino de Rafah, onde já estão apinhados os moradores que fogem dos bombardeios na Faixa de Gaza.

O apelo de Rutte parece que não teria feito nenhum impacto à afirmativa do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que na madrugada anterior realizou mais um ataque aéreo matando dezenas de palestinos. O saldo para a operação militar foi a libertação de dois reféns israelenses.