Os governos de Argentina e Estados Unidos estão em sintonia a favor de Israel e Ucrânia e contra a influência de China e o regime de Nicolás Maduro. Os Estados Unidos têm na liderança de Javier Milei um contrapeso perante os demais líderes da região, principalmente Lula. Javier Milei viaja aos Estados Unidos para participar de conferência conservadora, palanque político de Donald Trump.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O presidente argentino, Javier Milei, e o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, reúnem-se no final da manhã desta sexta-feira (23) na Casa Rosada, exibindo uma harmonia em relação à agenda internacional, que destoa daquela que Blinken teve no Brasil com Lula.

Os Estados Unidos têm o interesse de reforçar a liderança de Javier Milei, apoiando a recuperação da economia, mas querem garantias de apego aos direitos humanos e à democracia. O argentino, por sua vez, precisa manter um equilíbrio fino na política interna norte-americana: horas depois da reunião com Blinken, Milei viaja a Washington para participar da conferência conservadora do aliado Donald Trump, adversário político de Joe Biden.

Segundo a agenda oficial divulgada pelo Departamento de Estado, Blinken vai abordar assuntos como “crescimento econômico sustentável, compromisso com os direitos humanos e com a democracia, minérios críticos e melhora do comércio e do investimento”.

“Antony Blinken quer conhecer de primeira mão a situação da Argentina e dar um sinal de apoio. É provável que a Argentina queira um empréstimo adicional do Fundo Monetário Internacional para o qual os Estados Unidos são a chave. Mas há dois assuntos caros para os Estados Unidos: direitos humanos e mudanças climáticas. Os Estados Unidos querem que as reformas aconteçam sob garantias democráticas com a manutenção de direitos humanos”, explica à RFI o sociólogo argentino e catedrático em Relações Internacionais na Universidade Di Tella, Juan Gabriel Tokatlian.

“Para Milei, o apoio econômico dos Estados Unidos é fundamental para o mercado financeiro, mas, para os Estados Unidos, a maioria das medidas nas que Milei procurou avançar afetavam direitos fundamentais, direitos trabalhistas e direitos ambientais”, acrescenta Tokatlian, uma das maiores referências na América Latina sobre as relações dos Estados Unidos com os países da região.

Preocupação com o plano motosserra de Milei

Javier Milei tem avançado velozmente com o equilíbrio fiscal do Estado, aplicando uma receita que combina corte do gasto público com diluição de salários e aposentadorias. Com isso, a pobreza também tem crescido velozmente como consequência de uma inflação de dois dígitos mensais e de uma estagnação do poder aquisitivo.

O Subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, destacou “o esforço de Milei para reformar a economia argentina”, mas também sublinhou “a importância de proteger os mais vulneráveis da sociedade”.

Javier Milei é um crítico da denominada “justiça social” e despreza a agenda climática. Até nega que seja a ação do homem a razão para as alterações do clima.

Quanto ao capítulo “minérios críticos”, a Argentina já se tornou o maior fornecedor latino-americano de lítio aos Estados Unidos.

“A Argentina quer ter menos vínculo com a China em matéria de recursos críticos, enquanto existe mais interesse dos Estados Unidos em matéria energética. Blinken pretende abrir um espaço para a Argentina no mundo dos negócios”, aponta Tokatlian.

Sintonia em política externa

Em termos de política externa, a sintonia entre os governos de Joe Biden e de Javier Milei é total. Basicamente, Javier Milei é um aliado incondicional dos Estados Unidos e de Israel, em detrimento de qualquer vínculo com China, Rússia ou Venezuela. Até mesmo a estratégica e histórica aliança da Argentina com o Brasil foi posta no freezer, sobretudo por ser conduzida pelo presidente Lula, adversário do aliado de Milei, o ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Milei tem procurado uma relação estreita com os Estados Unidos desde a campanha eleitoral do ano passado. De repente, Washington se topou com uma situação inesperada de um governo abertamente pró-Estados Unidos”, destaca Tokatlian.

Milei acoplou a sua agenda internacional à agenda dos Estados Unidos e de Israel. A tradução desse acoplamento é uma posição a favor da Ucrânia e contra a Rússia de Vladimir Putin, contra a influência geopolítica da China, mesmo sendo a China o segundo maior importador de produtos argentinos, contra a Venezuela de Nicolás Maduro e contra até mesmo a entrada já aprovada da Argentina no BRICS, por considerar que o bloco seja um instrumento geopolítico da China.

“Washington quer testar a Argentina e conhecer qual é o compromisso de estreita aproximação de Milei e ver até onde chega essa vontade de distanciamento da China”, indica o especialista Juan Gabriel Tokatlian.

Diante do conflito entre Israel e o Hamas, Milei é a favor do direito irrestrito de Israel de se defender. A aliança com Israel é, aliás, ideológica e espiritual.

Na Argentina de Milei, os ataques de Israel ao Hamas nunca seriam comparados ao Holocausto como fez Lula.

Contrapeso com Lula

Segundo Juan Gabriel Tokatlian, os Estados Unidos não procuram um contrapeso a Lula na região, até porque a Argentina não tem no cenário internacional o mesmo peso do que o Brasil. No entanto, a visão diametralmente oposta entre as duas posturas naturalmente marca uma diferenciação.

Tokatlian sublinha que “não sobram hoje na América Latina líderes dispostos a defender abertamente os ataques de Israel”, citando os casos dos presidentes de Colômbia, Chile e México, críticos dos ataques de Israel na Faixa de Gaza.

A voz de Milei tem, portanto, um conteúdo que interessa aos Estados Unidos ecoar. Como a vinda de Blinken acontece logo após a declaração de Lula e a visita ao Brasil nesta semana, o contraste é natural.

Atualmente, na América Latina, não aparecem líderes dispostos a conter a China nem os que condenam, explicitamente, o regime de Nicolás Maduro.

“Seguramente, Blinken vai dar os parabéns a Milei pela política de princípios e de compromisso, mas não acredito que esse contraponto com o Brasil seja estratégico para os Estados Unidos. Se virmos as votações dos países da América Latina na Assembleia Geral da ONU no que se refere à Faixa de Gaza, veremos que o único país que mudou de posição foi a Argentina. Então, os Estados Unidos têm agora um parceiro que pensa igual, mas isso não chega a ter um impacto regional”, avalia Tokatlian.

Viagem ao berço conservador de Trump

Antony Blinken deve partir de Buenos Aires no meio da tarde. À noite, Javier Milei viaja a Washington para participar, no sábado, da Conferência de Ação Política Conservadora, que acontece em Maryland.

“Milei vai a uma reunião de ultraconservadores para abraçar a agenda de Trump. Isso inquieta o governo Biden”, considera Tokatlian.

No sábado (23), por volta do meio-dia, Donald Trump, adversário de Joe Biden, dará, nessa conferência, um discurso de campanha. Três horas depois de Trump, Javier Milei fará uma palestra.

Para manter um equilíbrio entre o republicano e o democrata, Milei fará uma palestra técnica sobre economia, evitando uma reunião bilateral com Trump. É possível que haja uma foto entre Milei e Trump, mas o presidente argentino deve cuidar para não dar um apoio explícito ao seu preferido. 

“As preferências de Milei são evidentemente maiores com Trump, mas, no curto prazo, Milei precisa de Biden. Milei precisa conviver com um governo democrata, mas ama um governo republicano”, conclui Juan Gabriel Tokatlian em entrevista à RFI.