A solução do conflito na Faixa de Gaza continua nas mãos dos Estados Unidos, afirmam analistas entrevistados pela RFI. Ao comparar a situação de crianças em Gaza com o Holocausto de judeus pelos nazistas, o presidente brasileiro atiçou seus opositores no Brasil e municiou o discurso do governo israelense, sem chegar a comprometer o prestígio que tem fora do país.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

A crise diplomática advinda da frase de Lula reduziu os holofotes sobre seus adversários, como Jair Bolsonaro, em um momento decisivo das investigações sobre a tentativa de golpe no Brasil, com depoimento do ex-presidente na Polícia Federal marcado para esta quinta-feira (22). Porém, o impacto das declarações do petista nas pretensões internacionais do Brasil são outra história.

Especialistas ouvidos pela RFI dizem que o episódio não prejudica as relações externas do país nem a avaliação pessoal do presidente lá fora. Por sua vez, também não ajuda a resolver o drama dos palestinos na Faixa de Gaza.

“Ao definir a situação dos palestinos em Gaza como genocídio, o presidente Lula busca mudar o patamar da compreensão internacional acerca do conflito. O ponto é que o alívio para os palestinos só virá com a entrada dos Estados Unidos em favor de fato de um cessar-fogo. Crucial, portanto, é o papel dos americanos, que, no entanto, têm sido fiel aliado de Israel em todos esses anos”, afirmou o professor de Relações Internacionais Roberto Goulart Menezes, doutor em Ciência Política.            

Nesta semana, o Brasil recebe chanceleres do G20 para as reuniões setoriais do grupo, no Rio de Janeiro. “O contexto geopolítico é sempre levado em conta pelos diferentes países, não tem jeito. Mas não acho que isso ofusca o evento, até porque eles têm de lidar com as questões de finanças nesse encontro”, disse Menezes.

 A repercussão política das declarações de Lula dominou o noticiário no Brasil no início da semana, a ponto de gerar certo desconforto pela colocação, em segundo plano, da situação das vítimas civis em Gaza, em geral resumida ao quantitativo balanço de mortos. Para o analista e professor de Filosofia Nelson Gonçalves Gomes, da Universidade de Brasília, Lula deve condenar a morte de civis, mas sem improvisos e seguindo orientações de sua equipe diplomática.                                                                                                   

“O assunto Holocausto é extremamente sensível e não deve ser invocado como foi na fala do presidente Lula. Agora, isso não significa que o Brasil deva ficar em silêncio frente ao que está acontecendo em Gaza. Realmente Israel deve ser condenado pelas atrocidades que está cometendo, pela carnificina, pela completa destruição de um povo que lá vive”, afirmou Gonçalves Gomes.

“Tudo isso merece o repúdio do Brasil, assim como os atentados do Hamas no dia 7 de outubro que igualmente merecem repúdio. Mas isso deve ser conduzido pelos diplomatas, sobretudo nos organismos internacionais”, avalia Gonçalves Gomes.

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O Itamaraty tem tentado colocar panos quentes, reforçando a condenação ao massacre, especialmente de mulheres e crianças pelo exército de Israel. A diplomacia brasileira sublinha que a crítica é destinada ao governo no poder e não aos israelenses.

"Sensibilidade seletiva"

Já para o historiador Fábio Koifman, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, o presidente brasileiro deveria ter vindo a público e se desculpado. “Lula deveria se retratar pois sua fala foi fora do tom, algo ruim em Relações Internacionais. Agora, tudo isso foi usado politicamente no Brasil e em Israel. Por isso, posições nessa linha só atrapalham, só ampliam o tempo de guerra”.

O historiador, no entanto, não vê danos maiores ao prestígio de Lula no cenário internacional, até por enxergar que o presidente reforça a atuação que teve nos dois primeiros governos, já conhecida por seu pares.

“É a sensibilidade seletiva que outros presidentes brasileiros também aplicaram. Há críticas muito duras para alguns governos, mas ela é atenuada de acordo com a simpatia ou antipatia pelo regime de cada país. Recentemente, Lula deu sinais disso ao não criticar a morte do opositor do governo Putin, contemporizando e lançando dúvidas ao fato. Mas isso não afeta sua imagem, o prestígio de Lula não se limita a isso. E nem acredito que alguém possa ser considerado racista ou antissemita por conta de uma frase dita aleatoriamente em um momento de tensão, descuido ou de cansaço”, enfatizou Koifman.