O governo argentino decidiu adiar a participação direta de militares na cidade mais violenta do país, enquanto pressiona o Congresso por endurecer a legislação contra o crime organizado. As gangues de traficantes, até agora rivais entre si, decidiram unir-se contra o governo. Rosario funciona com um virtual toque de recolher baseado no medo. A vitória ou a derrota do governo nessa luta terá impacto direto no capital político do presidente Milei.

 

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Começaram a chegar a Rosario os primeiros contingentes da intervenção federal na terceira maior cidade da Argentina, a mais violenta do país.

Na noite de segunda-feira (11), 200 agentes da Polícia Federal, da Guarda Costeira e da Polícia do Exército somaram-se a outros 1.500 agentes dessas forças que já estavam em Rosário. Nesta terça-feira (12), chegam mais 250.

Aos poucos, a cidade será patrulhada por esses reforços. No entanto, por enquanto, as Forças Armadas só vão contribuir com a logística: carros blindados, caminhões, helicópteros e equipamentos de comunicação.

A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, descartou atribuir aos militares tarefas de patrulha e combate aos criminosos. Isso porque a lei proíbe o uso das Forças Armadas na segurança interna. Mas a ministra espera que isso mude. Vai pedir ao Congresso que o Exército possa agir no combate ao crime organizado.

“As Forças Armadas estão com as mãos amarradas. É preciso abrir a possibilidade de agirem”, defendeu Bullrich, em Rosario, ao anunciar as primeiras medidas do Comitê de Crise.

Horas antes, o governo tinha emitido uma nota na qual afirmava que “o presidente Javier Milei e a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, conformaram um Comitê de Crise com o objetivo de intervir na cidade de Rosario com as Forças de Segurança Federais, mas também com as Forças Armadas".

Porém, na noite de domingo, os altos comandos do Exército e da Marinha (Aeronáutica não participa desta ação) manifestaram ao governo o desconforto de participarem diretamente de uma intervenção contra o tráfico de drogas, quando a Lei de Defesa Nacional e de Segurança Interior proíbe esse tipo de ação.

Proposta de nova legislação

O Executivo abre agora duas frentes de batalha contra o crime organizado: o Congresso e a Justiça. O governo quer mais do que intervir com as Forças Armadas.

A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, antecipou que prepara um pacote de leis denominado “antimáfia”, inspirado na legislação dos Estados Unidos e da Itália. Também vai apontar contra lavagem de dinheiro, seguindo o caminho do dinheiro que nutre o crime.

Um pacote de leis será enviado ainda nesta semana ao Congresso. Em paralelo, a cúpula do Serviço Penitenciário Federal foi demitida.

Se as leis forem aprovadas, qualquer ação criminosa que tentar instalar o terror, amedrontando a população, passará a ser duplamente penalizada. Ou seja: onde hoje cabe a pena de cinco anos, passará a dez.

Outra mudança é que a condenação de um integrante de uma gangue será estendida a todos os integrantes da mesma gangue, sem importar o nível do bandido. Essa regra está inspirada na legislação italiana contra a máfia. Também adotada recentemente por Nayib Bukele, em El Salvador.

A terceira principal modificação é essa da participação das Forças Armadas. A ministra disse que vai pedir aos juízes medidas excepcionais para criar um modelo diferente de combate ao tráfico de drogas.

“Narcoterrorismo”

O governo quer tratar a situação em Rosario como “narcoterrorismo”. Assim, as penas podem ser adaptadas a essa nova realidade de ataques.

A quarta morte de um inocente como mensagem mafiosa às autoridades foi o ponto de inflexão.

Durante a semana passada, dois taxistas, um motorista de ônibus e um frentista foram friamente baleados à queima-roupa por assassinos enviados pelo crime organizado.

O governo de Santa Fe, província à qual pertence à cidade de Rosario, acredita que os crimes sejam uma represália contra o endurecimento nas condições penitenciárias aos presos de alto risco, dificultando a ação de negócios ilegais comandados da prisão.

Os criminosos penduraram uma faixa na qual advertiram que “vão continuar as mortes de quaisquer inocentes como taxistas, motoristas, lixeiros e comerciantes”.

O vídeo do assassinato de um frentista chocou o país. O assassino deixou um bilhete no qual esclareceu que “essa guerra não era por território” e que “matariam mais inocentes”. Essa ameaça na qual qualquer cidadão na rua corre risco de vida gerou pânico na população.

E o pior: nesses recados, o crime organizado deixou claro que aquelas gangues que sempre se enfrentaram por território tinham-se unido para obrigar o poder público a pactuar algum código de convivência no qual os bandidos não perdiam o negócio em troca de não matar inocentes.

Capital político em jogo

Quem chegar a Rosario agora verá uma cidade com ares de fantasma, como se estivesse no começo da quarentena contra o coronavírus há quatro anos ou como se, depois das cinco da tarde, houvesse um toque de recolher.

Na segunda-feira (11), por exemplo, muitas lojas não abriram. As escolas não tiveram aulas porque os pais ficaram com medo de levar os filhos. Os ônibus quase não circularam.

Nos hospitais, só funcionam os serviços de plantão e, mesmo assim, médicos e enfermeiras têm muito medo de algum assassino aparecer.

Por tempo indeterminado, táxis não circulam à noite, postos de gasolina fecham cedo e os caminhões de lixo não passam.

A cidade de 1,5 milhão de habitantes, onde o medo domina, tornou-se a mais violenta da Argentina, disputada por gangues em constantes confrontos. À margem do rio Paraná, Rosario é um importante porto para a droga que escoa de Peru, Bolívia e Paraguai com destino internacional depois de o Paraná desembocar no Rio da Prata.

O presidente Javier Milei foi eleito empunhando duas bandeiras principais: corrigir a economia e combater a violência. Sobre corrigir a economia, o principal objetivo é controlar a inflação. E sobre combater a violência, o principal desafio é o tráfico de drogas.

A vitória ou o fracasso de Milei no combate ao tráfico de drogas em Rosario terá impacto direto no capital político do presidente, ajudando ou afetando o seu mandato.

“Milei vai enfocar a sua gestão em resultados em dois grandes assuntos: inflação e segurança em geral, com o tráfico em particular. Esses dois grandes assuntos levaram Milei à Presidência. Os eleitores pediram um presidente que termine com o delito e com a inflação. E o desempenho nessas duas matérias será especialmente avaliado pela população”, indica o analista político Carlos Fara.