Antes de tudo, preciso dizer que este texto é bem pessoal, ou seja, são as minhas interpretações sobre o trabalho de Ella Marija Lani Yelich-O’Connor, mais conhecida como Lorde. É bizarro pensar que Ella era uma neném até pouco tempo e agora já tem 24 anos! Quando seu primeiro álbum, Pure Heroine, foi lançado em... Continuar Lendo →

Antes de tudo, preciso dizer que este texto é bem pessoal, ou seja, são as minhas interpretações sobre o trabalho de Ella Marija Lani Yelich-O’Connor, mais conhecida como Lorde. É bizarro pensar que Ella era uma neném até pouco tempo e agora já tem 24 anos! Quando seu primeiro álbum, Pure Heroine, foi lançado em 2013, ela tinha só 17 aninhos. Ela já chegou chamando atenção do mundo por letras muito bem escritas e composições muito mais profundas do que as pessoas esperam de adolescentes. Eu tinha 21 anos quando ouvi Pure Heroine e me identifiquei horrores – algo que se repetiu com seu segundo álbum, Melodrama (2017).

Eu decidi escrever este texto como uma forma de reflexão e aquecimento, já que existem alguns rumores por aí de que Lorde talvez lance seu tão tão tão tão aguardado álbum mês que vem (março)! Que ela vai lançar o álbum em 2021 é praticamente 99% de certeza, mas que vai ser mês que vem… Aí eu já acho bom demais pra ser verdade, mas vamos ficar na torcida, né?

A rainha introvertida

Lorde já disse ser introvertida e ela nem precisava dizer, as suas músicas gritam isso. Essa provavelmente foi uma das primeiras coisas que me fizeram ter uma identificação tão grande com a gênia neozelandesa. O modo como ela fala sobre introversão é realista, sem romantização. Muitas das letras de seu primeiro álbum falam sobre como é ser introvertida perante a sociedade, a fama e nos relacionamentos. Ela também toca muito na questão das expectativas – não apenas das outras pessoas com ela, mas dela com ela mesma.

“‘Cause I was raised up
To be admired, to be noticed
But when you’re withdrawn
It’s the closest thing to assault
When all eyes are on you
This will not do”

“Porque eu fui criada
Para ser admirada, para ser notada
Mas quando você é antissocial,
É a coisa mais próxima de um ataque
Quando todos os olhos estão em você
Isso não vai funcionar”
(Bravado)

Muitos artistas jovens tendem a enfeitar e dar um gosto doce a essas questões, mas Lorde prefere ir para o lado cru da composição. Ela relata as coisas como elas são: às vezes lindas, às vezes monstruosas. Em Pure Heroine, Ella constrói um mundo onde introvertidos podem se sentir seguros e confortáveis.

É injusto como muitas pessoas criticaram Lorde na época, chamando-a de indiferente e “blasé”, simplesmente porque não conseguiram uma chave de acesso ao seu mundo. Não é para todos, de fato. Pessoas introvertidas são sempre julgadas assim por quem não entende todo o universo rico e caótico que vive dentro de cada um de nós. Nós não somos indiferentes ou arrogantes, muito menos egocêntricos, nós só passamos mais tempo dentro da nossa própria galáxia do que no mundo exterior.

“We live in cities you’ll never see on-screen
Not very pretty, but we sure know how to run things
Livin’ in ruins of a palace within my dreams
And you know we’re on each other’s team”

“Nós vivemos em cidades que você nunca verá nas telas
Não são muito bonitas, mas nós sabemos como comandar as coisas
Vivendo em ruínas de um palácio dentro de meus sonhos
E você sabe que nós estamos no mesmo time”
(Team)

É claro que introvertidos sentem mais dificuldades em coisas que pessoas extrovertidas acham simples, como ser sociável em um grupo de pessoas, fazer uma ligação, explicar os sentimentos, fazer amizades, etc. No entanto, é um tanto reconfortante saber que nossa própria companhia basta às vezes, e que os amigos que temos estão guardados no nosso coração, por poucos que sejam. Também é um alívio ter o poder da observação e o fogo da escrita, como Lorde. Quando falamos entre a gente, somos muito eloquentes. É por isso que eu, como introvertida, me sinto dentro de um abraço seguro ao ouvir as músicas da Lorde.

Artista sim, celebridade talvez

Muitas pessoas fazem música apenas para serem famosas. Nada contra essas pessoas, cada um faz o que quiser. Entretanto, eu confesso que admiro muito mais quem vê a fama como uma consequência e não um fim. Lorde está há quase quatro anos sem lançar um álbum – por isso nós fãs estamos doidos para que ela lance o próximo esse ano. Nesse período, pouco ouviu-se falar dela. A bichinha chegou a ir para a Antártida! Aliás, ela disse que decidiu o nome do próximo álbum assim que voltou de viagem.

Lorde sempre deixou bem óbvio em suas músicas que ela ficava bem desconfortável com a fama – mas já que ficou famosa, o que ela podia fazer era debochar desse círculo. O deboche é algo muito presente em suas composições, tanto em Pure Heroine quanto em Melodrama. Eu sinto que ela vai muito na linha “se eu não posso fugir deles, então eu vou rir da cara deles”.

“Don’t you think that it’s boring how people talk?
Making smart with their words again, well I’m bored
Because I’m doing this for the thrill of it, killin’ it
Never not chasing a million things I want
And I am only as young as the minute is, full of it
Getting pumped up from the little bright things I bought
But I know they’ll never own me“

“Você não acha que é chato como as pessoas falam?
Se fazendo de espertos com suas palavras de novo, bom, estou entediada
Porque eu faço isso pela emoção, mandando ver
Nunca deixo de ir atrás das milhões de coisas que eu quero
E eu sou apenas tão jovem quanto um minuto, cansada disso
Fico animada pelas coisinhas brilhantes que eu comprei
Mas eu sei que elas nunca serão donas de mim”
(Tennis Court)

Além de debochar da fama e das pessoas que deixaram com que o status de celebridade tomasse conta delas, Lorde também trata esse mundo de estrelas pop como uma zona de guerra. Dá pra sentir que ela entende o quão temporário tudo isso é, como sempre aparecem pessoas novas e é uma briga eterna manter a sua arte relevante.

“Glory and gore go hand in hand
That’s why we’re making headlines
(…)
Delicate in every way but one
(The swordplay)
God knows we like archaic kinds of fun
(The old ways)
Chance is the only game I play with, baby
We let our battles choose us”

“Glória e sangue andam de mãos dadas
É por isso que nós estamos nas manchetes
(…)
Delicada de todos os jeitos, menos um
(Na esgrima)
Deus sabe que nós gostamos de diversões arcaicas
(Os modos antigos)
O acaso é o único jogo que eu jogo, querido
Nós deixamos nossas batalhas nos escolherem”
(Glory and Gore)

Essa visão realista sobre a fama faz com que Ella tenha os pés no chão e seja muito mais relacionável ao público. Para vocês terem uma ideia, a sua maior forma de se comunicar com seus fãs é através de e-mails. Você se cadastra aqui e recebe e-mails escritos pela própria kiwi sobre assuntos que ela considera importante, como o movimento Black Lives Matter.

Lorde não gosta de ficar se exibindo e recebendo biscoito. Ela é muito reservada e prefere compartilhar com o mundo coisas que ela considera essenciais e inspiradoras. Ela até surpreendeu todo mundo em outubro de 2020, ao gravar stories pedindo aos seus fãs que votassem nas próximas eleições. Esse lado preocupado com as questões sociais sempre foi presente na carreira de Lorde. Logo quando entrou na cena, ela até chegou a criticar cantoras pop bem famosas por falta de feminismo em suas músicas. Muitas pessoas pegaram antipatia por ela nessa época exatamente por ela ter coragem de falar algo que muitos passam pano.

O mundo por olhos cínicos

Outro tema recorrente nas músicas de Lorde é o seu cinismo com relação à sociedade e aos seus arredores. Eu não diria que ela é uma pessimista, apenas uma realista debochada. Eu não vejo falta de esperança ou vontade de desaparecer nas músicas dela. Na verdade, mesmo naquelas mais sombrias e pesadas, é possível ver algo brilhante se acendendo. Ella sempre constrói cenários que misturam a realidade com aquele universo particular introvertido que eu já mencionei. É uma técnica muito usada por pessoas introvertidas que se cansam facilmente das influências externas – eu faço isso direto.

Melodrama toca muito em como os jovens tentam escapar da realidade de outras formas além do nosso universo introvertido. Algumas de suas músicas remetem aquele sentimento de uma busca por algo que não existe. Algo que a realidade nunca vai entregar.

Quando Lorde fez Melodrama, ela estava entrando na sua vida adulta. Então, muitos dos questionamentos, sentimentos e problemas que encontramos retratados nas composições são advindos dessa fase conturbada da vida. Mesmo com 28 anos, eu às vezes ainda sinto que estou passando por essa conturbação… Por isso Melodrama foi e é tão importante para mim. Parece que eu estou ali junto com Lorde.

“All of the things we’re taking
‘Cause we are young and we’re ashamed
Sends us to perfect places
All of our heroes fading
Now I can’t stand to be alone
Let’s go to perfect places
All the nights spent off our faces
Trying to find these perfect places
What the fuck are perfect places anyway?”

“Todas as coisas que bebemos
Porque somos jovens e envergonhados
Nos enviam para lugares perfeitos
Todos nossos heróis estão desaparecendo
Agora não aguento ficar sozinha
Vamos para lugares perfeitos
Todas as noites doidos de bêbados
Tentanto encontrar lugares perfeitos
Que porra são lugares perfeitos, afinal?”
(Perfect Places)

Geração sem amor

Ainda falando de Melodrama, um de seus temas principais foi o caos de relacionamentos e como uma pessoa introvertida e perdida pode lidar com eles. Lorde toca em diferentes ângulos de relações diversas, sempre de modo cru e exagerado, pois é essa a base de Melodrama (como o próprio nome sugere): fazer uma caricatura e um deboche sensível sobre como tudo parece pior para a pessoa afetada do que para aqueles que observam de fora. Praticamente todo mundo já agiu de forma melodramática sobre algo e depois percebeu que aquela reação não era necessária. Faz parte da vida ser dramática às vezes – em muitos casos é até preciso.

Lorde mexe com alguns aspectos que as pessoas fingem não ver em si mesmas. Por exemplo, Hard Feelings/Loveless parece uma composição inofensiva, mas na verdade está dividida em duas partes: a primeira é a máscara, basicamente sobre um relacionamento que está acabando e como ela está superando essa pessoa aos poucos; já a segunda é a realidade nua e crua, sobre como as pessoas gostam de causar caos e drama na vida dos outros ao mesmo tempo que fingem odiar términos e brigas. Ela chama de “geração sem amor” exatamente porque nós muitas vezes agimos assim, preferimos impactar, mesmo que de forma negativa, em vez de deixar as coisas irem para o esquecimento. Testar os limites de outras pessoas é divertido quando você não está bem da cabeça. É uma realidade cruel, mas acontece com muitas pessoas boas que não têm maturidade e uma saúde mental favorável.

“Bet you wanna rip my heart out
Bet you wanna skip my calls now
Well guess what? I like that
‘Cause I’m gonna mess your life up
Gonna wanna tape my mouth shut
Look out, lovers”

“Aposto que você quer arrancar meu coração
Aposto que você quer ignorar minhas ligações agora
Bom, adivinha? Eu gosto disso
Porque eu vou bagunçar a sua vida
Vai querer calar a minha boca
Cuidado, amantes”
(Hard Feelings/Loveless)

Outro tema sensível que Lorde cutuca é a questão da dependência emocional e do amor próprio. Ela retrata o desespero de perder alguém que você ama, mesmo que seja a melhor coisa para você. Ela mostra como o único apego que deveríamos ter nessa vida é por nós mesmos. No final das contas, todo mundo morre sozinho. Pode parecer um pensamento triste, mas na verdade é apenas um lembrete de que você precisa ser o amor da sua vida. Isso não significa que você precisa amar menos as outras pessoas, só que você precisa amá-las de forma saudável, independente e nunca botar as vontades deles acima da sua saúde mental.

“I am my mother’s child, I’ll love you ‘til my breathing stops
I’ll love you ‘til you call the cops on me
But in our darkest hours, I’ll stumble on a secret power
I’ll find a way to be without you, babe”

“Eu sou igual a minha mãe, eu te amarei até parar de respirar
Eu te amarei até você chamar a polícia para mim
Mas nas nossas horas mais sombrias, eu tropeçarei em um poder secreto
Eu encontrarei uma forma de ficar sem você, amor”
(Writer in the Dark)

Preciso citar ainda mais uma música de Melodrama que foi que nem uma flechada no meu coração de tanto que eu me identifiquei: Liability. Todo mundo que sofre com insegurança e ansiedade pode se relacionar com ela. O eu lírico de Lorde faz um desabafo empanado em tom melodramático e bem real sobre como no final de um dia se sentindo um brinquedo abandonado, nós só podemos encontrar consolo dentro do nosso próprio eu. Amigos são incríveis e podem te ajudar muito, mas ninguém te conhece melhor que si mesmo e só você pode se confortar de maneira completa. Todos nós somos complexos e cheios de camadas, muitas vezes nossas vozes internas estão ensinadas a dizer coisas ruins o tempo todo. Por isso é preciso sentar com elas e conversar, saber de onde elas vêm e como podemos mudá-las. Terapia é muito importante, gente.

“I do my best to meet her demands
Play it romance, we slow dance in the living room
But all that a stranger would see
Is one girl swaying alone
Stroking her cheek
They say: You’re a little much for me
You’re a liability
You’re a little much for me
So they pull back, make other plans
I understand, I’m a liability
Get you wild, make you leave
I’m a little much for
E-a-na-na-na, everyone”

“Eu dou o meu melhor para atender as suas demandas
Romantizo, dançamos lentamente na sala de estar
Mas tudo que um estranho veria
É uma menina balançando sozinha
Acariciando sua bochecha
Eles dizem: Você é um pouco demais para mim
Você é um fardo
Você é um pouco demais para mim
Então eles se afastam, fazem outros planos
Eu entendo, eu sou um fardo
Deixo vocês doidos, faço vocês irem embora
Eu sou um pouco demais para
Todo mundo”
(Liability)

Bom, é isso. Acho que falei demais, mas não tem como eu pensar na Lorde de forma rápida e simples. Lembrando que este texto tem muita carga pessoal, então pode ser que vocês tenham outras interpretações – pode ser até que a própria Ella tenha outras interpretações. De qualquer forma, só queria apresentar reflexões de como essa artista esplêndida me faz sentir e como a música dela é tão importante para mim.

Se você não conhece a Lorde ainda, corre lá no Spotify ou no Youtube e vai ouvir todas as músicas dela enquanto o novo álbum não chega!

Obrigada por ler até aqui e que a Força esteja conosco para a criatura lançar o álbum logo!