Com apenas 6 mil habitantes, a pequena ilha italiana de Lampedusa está no centro da crise migratória. Nos últimos dias, cerca de 10 mil imigrantes desembarcaram nesta ilha na região da Sicília, no sul do país. O centro de acolhimento local só tem lugar para 400 pessoas. Muitos imigrantes tiveram que ser transferidos para outras cidades, provocando uma superlotação nos centros de acolhida da Sicília.

Gina Marques, correspondente da RFI em Roma

Nesta segunda-feira, o governo de extrema-direita de Giorgia Meloni aprovou medidas mais rígidas para impedir a chegada de imigrantes ilegais. Trata-se do segundo decreto sobre a imigração.

A principal medida estabelece o aumento do tempo de detenção dos imigrantes que aguardam repatriação. Dos seis meses atuais, os imigrantes ilegais poderão permanecer presos até 18 meses. Os ministros também aprovaram a criação de mais centros de detenção em áreas isoladas. Segundo a legislação italiana, os imigrantes que aguardam repatriação podem ser detidos se não puderem ser expulsos imediatamente.

Vale lembrar que o imigrante que chega ilegalmente na Itália só é reconhecido como refugiado se vier de um país em guerra ou se comprovar uma perseguição étnica, religiosa ou política. Mas aqueles que migram ilegalmente por motivos econômicos ou catástrofes naturais não têm o direito ao asilo na Itália e devem ser repatriados.

Lacunas no decreto anti-imigração

O novo decreto se baseia principalmente na detenção e repatriação dos imigrantes ilegais. No entanto, repatriar os imigrantes ilegais não é fácil, pois é preciso que haja um acordo assinado com o país de proveniência para que o migrante possa ser mandado de volta. Até hoje só estão estipulados acordos de repatriação com a Tunísia, a Albânia e o Egito.

De janeiro a agosto deste ano, 2.293 pessoas foram repatriadas. Em 2022, 1.441 pessoas regressaram à Tunísia, 362 à Albânia e 212 ao Egito. Em média, menos da metade dos detidos regressa ao seu país de origem. Os demais são libertados quando seus prazos de detenção expiram.

Detenção custa o dobro

Os chamados decretos de segurança, ou seja, anti-imigração, causaram efeitos opostos aos prometidos. Nos dois anos em que estiveram plenamente operacionais produziram mais irregularidades, menos inclusão social e um sistema longe do modelo de acolhimento generalizado.

O objetivo do novo decreto é duplo: bloquear as saídas dos imigrantes que partem da África e repatriar quem desembarca ilegalmente na Itália. O governo Meloni promete aumentar os voos de repatriação e duplicar os Centros de Permanência de Repatriação (CPR) que serão construídos em áreas “com baixíssima densidade populacional e de fácil perímetro e vigilância” e sem causar “mais desconforto e insegurança nas cidades italianas”.

Para aumentar o tempo de detenção dos 6 aos 18 meses, a atual rede de Centros de Permanência de Repatriamento na Itália terá que ser ampliada. Hoje são apenas 9 CPRs que acolhem apenas 493 pessoas. O décimo, em Turim, ainda está fechado.

Um migrante detido é de aproximadamente € 50 por dia

A construção dos novos CPRs terá um custo. O orçamento do ministério prevê gastos de € 32 milhões em 2023 e já estão previstos € 46 milhões para 2024. Mas o montante não será suficiente se a missão for construir 10 novos CPRs. Segundo o site italiano Openline, a despesa que deveria ser razoavelmente orçada é de cerca de € 100 milhões. Além disso, há o gasto com a vigilância e com os trabalhadores do centro.

Atualmente, o Ministério italiano do Interior gasta cerca de € 30 milhões por ano em alimentação e alojamento para aqueles imigrantes que devem ser expulsos. Esta despesa serve para garantir almoço, jantar e leito aos 6 mil imigrantes que atualmente estão nos centros e essa verba provavelmente terá que duplicar. Hoje, o custo para um migrante detido é de aproximadamente € 50 por dia, apenas para alojamento e alimentação. Com uma detenção de 18 meses, cada imigrante custaria € 30 mil em um ano e meio.

Sem contar a despesa dos voos. O Departamento de Segurança Pública quantificou o custo médio de uma repatriação em € 2.365 pagos pela Itália. Os custos aumentaram 30% em relação a 2022.

O ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, convocará os embaixadores das nações mais representadas entre os imigrantes para pressioná-los a recebê-los de volta. Neste momento, a Guiné lidera (15.138 desembarcados em 2023), seguida pela Costa do Marfim (14.282), Tunísia (11.694) e Egito (8.422).

Consequências políticas para Giorgia Meloni

A coalizão de direita e extrema-direita venceu as eleições em outubro do ano passado com a promessa de resolver a questão da imigração irregular. Giorgia Meloni prometeu também o bloqueio naval, portos fechados e fez um pacto com a Tunísia em julho para impedir a partida de imigrantes do país norte-africano. O acordo fracassou. A chegada de imigrantes está aumentando e a aprovação do seu eleitorado pode diminuir.

Em 2023, quase 127 mil migrantes chegaram à Itália. O número quase dobrou em relação ao mesmo período do ano a passado, quando 66 mil desembarcaram no país. O pico foi registrado em 2016, quando chegaram mais de 180 mil migrantes irregulares no país mediterrâneo.

Itália pede ajuda à União Europeia

No domingo passado (17) a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, encontrou-se com a chefe do governo italiano, Giorgia Meloni, na ilha italiana de Lampedusa. Elas visitaram um centro de acolhimento saturado de imigrantes.

Após a visita, Von der Leyen apresentou um plano de ajuda em dez pontos para administrar a situação atual, distribuir os requerentes de asilo entre os membros do bloco e prevenir a repetição destes episódios, que pressionam os sistemas logísticos e administrativos da Itália.

Ao mesmo tempo que o governo de extrema-direita italiano pede ajuda, a União Europeia reforça a sua aliança com líderes anti-europeus. Na quinta-feira passada (14) a primeira-ministra Giorgia Meloni participou de uma cúpula sobre demografia em Budapeste, organizada pelo primeiro-ministro nacionalista da Hungria, Viktor Orbán, um aliado político de longa data.

Segundo a Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), na Hungria de Viktor Orbán vivem aproximadamente mil refugiados por milhão e meio de habitantes, num total de 5.691 refugiados no país de quase 10 milhões de habitantes. O governo nacionalista húngaro é um dos que menos acolhe imigrantes na UE.

Paralelamente, o líder do partido italiano de extrema-direita Liga, Matteo Salvini, e a sua colega ideológica Marine Le Pen, presidente da União Nacional francesa, encontraram-se no domingo (17) em Pontida, no norte da Itália, durante a manifestação anual da Liga.

Salvini e Le Pen se mostraram disponíveis para uma união com vista às eleições europeias de 2024. “Estamos unidos na mesma luta, a luta pela liberdade, pela pátria”, disse a política francesa em Pontida.

França contrasta Itália

Nesta segunda-feira (18) o ministro francês do Interior, Gérald Darmanin, encontrou-se em Roma com o colega de pasta italiano, Matteo Piantedosi, para discutir ações eficazes, uma vez que a Itália se tornou a principal porta de entrada na Europa para migrantes provenientes do norte da África.

Antes do encontro, o ministro do Interior francês afirmou em entrevista que a França não acolherá os imigrantes de Lampedusa.

O partido da Liga reagiu imediatamente com uma nota que afirmava: “Chega de conversa, os italianos esperam e merecem fatos concretos da França e da Europa!”

Os dados da organização estatística da União Europeia, Eurostat, confirmam a tese francesa: em 2023 foram acolhidos mais refugiados na França, 93 mil, em comparação com 62 mil na Itália. Já a Alemanha acolheu 111 mil refugiados somente de janeiro a junho deste ano.

Itália não respeita Regulamento de Dublin

Há poucos dias, a Alemanha e a França haviam suspendido por completo o acolhimento voluntário de migrantes vindos da Itália, mas a Alemanha voltou atrás. A ministra do Interior, Nancy Faeser, disse que a recente chegada de milhares de migrantes à pequena ilha italiana de Lampedusa significava que a Alemanha iria receber essas pessoas.

A França e a Alemanha acusam a Itália de não respeitar o Regulamento de Dublin, protocolo de asilo da UE que obrigaria o país a aceitar de volta os migrantes que chegaram à Europa pela Itália. O ministro italiano do Interior, Piantedosi, confirmou que a Itália não aceita mais as readmissões de migrantes de outros países, devido ao fluxo extraordinário que vem enfrentando há meses.

População imigrante residente na Itália

Por incrível que pareça, mesmo com a chegada de milhares de pessoas, nos últimos dez anos a população imigrante residente na Itália manteve-se estável. Segundo o instituto de pesquisas Istat, eram 4 milhões e 922 mil em 2014 e são 5 milhões e 50 mil em 2023. Variações mínimas de apenas 128 mil pessoas em uma década. Esses números indicam imigrantes legalmente residentes, porém há os imigrantes ilegais.

O jornal Huffingtonpost Italia comparou as estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Fundação ISMU. Os dados mostram que no ano passado residiam na Itália 506 mil imigrantes ilegais, pouco abaixo dos 519 mil residentes em 2021. Portanto, se a quantidade de imigrantes regulares e ilegais permanece quase inalterada, é porque a grande maioria das pessoas que chegam à Itália partem, sobretudo para a Alemanha, França e Reino Unido. Por isso, a França e a Áustria estão reforçando o policiamento nas fronteiras com a Itália.