O presidente brasileiro Jair Bolsonaro sabe que cesta básica cara é derrota nas urnas e faz apelo a empresários. Analistas avaliam que o cenário econômico hoje pesa contra a reeleição e que o programa Auxílio Brasil não garantiu o apoio dos eleitores.

Raquel Miúra, correspondente da RFI em Brasíilia.

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro faz marketing lá fora de um país celeiro do mundo e que preserva a Amazônia, a situação interna é bem diferente e com várias frentes de pressão. A principal delas vem da área econômica e, em particular, da inflação. Não à toa, o governo comemorou muito o recuo dos preços em maio, em parte pelo fim da tarifa extra da energia elétrica. O acumulado dos últimos doze meses, no entanto, é bem alto, batendo 11,73%.

"Deve cair um pouco mais, mas a taxa está muito elevada e atinge, especialmente, os mais pobres. E o tema da inflação é um peso político muito relevante no Brasil. Isso pode determinar se o presidente vai ou não conseguir se reeleger”, afirmou à RFI o economista André Perfeito, da Necton Investimento. “A gente sabe que o governo Bolsonaro está tentando resolver isso o quanto antes, mas não há solução simples. E o Banco Central vai continuar elevando os juros para dar conta dessa dinâmica inflacionária perversa", completa.

Insegurança

A cientista política Carolina de Paula, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) também destaca o peso da inflação no voto do brasileiro e diz que a tentativa do governo Bolsonaro em conquistar apoio dos que têm renda mais baixa não surtiu efeito.

"Pesquisas mostram que onde Bolsonaro tem menos apoio é no público que ganha até dois salários mínimos. O auxílio Brasil não conseguiu reverter isso. Uma observação que pouco se faz é que até essa ideia de mudar o nome do programa gerou incerteza para quem recebe a ajuda. As pessoas não sabem se é um programa que veio para ficar ou não. Ficam inseguras", avaliou de Paula à RFI.

A analista não tem dúvidas de que "o que mais mexe com os eleitores, inclusive com aqueles que declaram voto em Bolsonaro, é a subida de preço de produtos, serviços e alimentos." Segundo ela, "a história nos mostra que esse voto econômico é importante. Na história recente, talvez apenas em 2018 é que o voto com base na situação econômica do país não prevaleceu. Nas demais eleições, o voto econômico definiu as urnas", explica.

Prova disso é que lá dos Estados Unidos, pouco antes do encontro com o presidente americano Joe Biden, nessa quinta-feira (9), o presidente brasileiro participou por videoconferência de um evento promovido por donos de supermercados. E foi direto ao pedir ajuda à plateia: para levar adiante uma pauta liberal e conservadora, Bolsonaro precisa continuar no poder e, para se reeleger, o empresariado deve segurar os preços nas prateleiras.

"O apelo que faço a todos vocês, a todo o setor, é que se ganhe o menor lucro possível sobre os produtos da cesta básica, para que possamos dar uma satisfação a uma parcela da sociedade, especialmente os mais humildes", afirmou Bolsonaro, que chegou a mencionar produtos que estão 'muito caros', como óleo de soja, ovos, leite, açúcar e café.

No mesmo evento, o ministro da Economia Paulo Guedes deixou claro o foco eleitoral e chegou a falar em trégua dos preços. "Agora é a hora. Nós temos que dar essa trégua nos preços, vamos ajudar a quebrar essa espiral inflacionária. Travem os preços. Vamos parar de aumentar os preços por uns dois, três meses. Nós estamos em uma hora decisiva para o Brasil", disse o ministro.      

Sem magia para arrumar a casa, o presidente e o ministro da Economia já têm na ponta da língua o discurso para tentar afastar do governo a responsabilidade por um cenário econômico tão ruim, inclusive se comparado com outros países que também sofreram com fatores externos. Eles atribuem todo o caos à pandemia e à guerra na Ucrânia.

O economista André Perfeito reconhece que, passada a fase mais aguda do coronavírus, houve um problema de oferta de produtos e matérias-primas em escala mundial, elevando os preços. Além disso, a invasão russa à Ucrânia aumentou a pressão, especialmente sobre os combustíveis. "Só que no Brasil temos fatores que tornam bem pior esse cenário. Um deles é a indexação que ainda existe para várias coisas. E a outra é que termos uma empresa pública, gerida pelo governo, mas que opera preços internacionais e vive sob pressão, gerando dúvidas ao mercado, ampliando o ambiente favorável à alta de preços", explica o economista.

População sofre com alta de preços

Na ponta, a população tenta se virar para sobreviver. "O salário aumenta muito pouco e as coisas sobem muito. A gente sai com uma sacola do mercado e deixa lá cem reais", lamentou à RFI a babá Daiene Vieira. "A gente quase não está comprando frutas e verduras. E a carne vermelha a gente substitui por linguiça, salsicha, mortadela, frango. O poder de compra caiu muito. E a gente tem filhos e tem que pagar aluguel. Está muito difícil", lamenta.

O síndico de prédio residencial em Brasília, Charles Lemos, também relatou à reportagem que está fazendo um grande esforço para manter os serviços do prédio sem precisar onerar ainda mais os moradores. "Os preços subiram muito. Nós não queremos sufocar o prestador de serviço. Mas também não podemos pagar valores corrigidos pela inflação. Hoje, para contratarmos uma obra ou reparo, analisamos o preço de sete, oito fornecedores antes de decidirmos. É um exercício financeiro enorme e muita negociação para dar contar de tudo com o orçamento que já havia sido aprovado pelos moradores", conclui.