Segurança reforçada, arquibancadas erguidas e certa apreensão no ar em Brasília por causa do simbolismo da data num país ainda polarizado. O dia da Independência do Brasil, que sempre foi apropriado por políticos ao longo da história, nunca conseguiu despertar o patriotismo singular nos brasileiros.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

O romantizado ‘independência ou morte’ de Pedro não mudou a estrutura social e econômica do país, que continuou escravista, latifundiário e sob comando da mesma família. E mesmo mudanças políticas importantes posteriores, como o advento da República, não romperam com o fosso social agudo do país. Não à toa, o 7 de setembro nunca despertou paixão nos brasileiros. Ninguém solta rojão ou festeja com orgulho nacional a data, assim como acontece na França com feriado nacional que comemora a Queda da Bastilha, ou nos Estados Unidos pelo dia da Independência no 4 de julho.

Mas o 7 de setembro ganhou mais holofotes em tempos de polarização e, neste ano, virou tema de novas conjecturas. Os bolsonaristas, que vestiram a camisa da seleção nos últimos quatro feriados da independência e vibraram a cada ameaça de ruptura entoada aos gritos, não às margens do Ipiranga, mas em cima de um carro de som pelo então presidente Jair Bolsonaro, agora pregam boicote à data. Eles estão magoados com as Forças Armadas pelo não-golpe contra o novo governo eleito.

A esquerda, por sua vez, que sempre torceu o nariz para uma festa que mais celebra tanques e fardas do que o povo, nunca conseguiu mobilizar a sociedade civil para mudar essa imagem. E há apoiadores de Lula que ainda não sentem à vontade em ver militar desfilando nem usar verde e amarelo. Sem contar a lembrança da invasão às sedes dos três poderes em janeiro, por golpistas, que levou as forças de inteligência agora a reforçar a segurança visível e disfarçada na esplanada.

Assim, o principal feriado cívico do país acontece num clima politicamente estranho, embora continue distante da sociedade.“Essa festa estatal não conseguiu de maneira nenhuma atrair a população para ela, mesmo que crianças tenham interesse por carros de combate, canhões, uniformes, nunca passou disso. Ninguém se reúne para fazer um churrasco por causa do 7 de setembro. Nós herdamos o escravismo plantacionista, latifundiário, e nada fizemos para mudar isso”, afirmou à RFI o historiador Francisco Teixeira, da UFRJ. 

“A tese dominante, por exemplo, nas Forças Armadas, é que o Brasil surge na Batalha de Guararapes em 1650 em diante, como uma ação do Exército brasileiro. Uma visão bastante bismarckiana, conservadora e autoritária. A esquerda também não conseguiu reinventar essa data. A esquerda, na verdade, neste momento teme manifestações contra a presença do presidente no desfile em Brasília”, avalia Teixeira.

Além disso, políticos de vários períodos fizeram por onde para que o feriado se tornasse oficial demais e popular de menos. Outro historiador, Antônio Barbosa, da Universidade de Brasília, destacou à RFI que as datas cívicas costumam ser utilizadas com fins políticos pelos mais diversos governos e diferentes regimes políticos.

“Nós temos exemplos como a Era Vargas, em especial o Estado Novo, que fez isso de forma explícita. Depois temos os 21 anos do regime militar, numa espécie de sequestro dos símbolos mais caros da nacionalidade pelos detentores do poder. E mais recentemente temos o governo Bolsonaro, de extrema-direita, aquele Bolsonaro que um dia o presidente Ernesto Geisel, o general, classificou de um mau militar. A data magna da nacionalidade foi apropriada por Bolsonaro como instrumento de propaganda político-eleitoral, com o intuito claro de ampliar a sua permanência no governo”, disse Barbosa.

Polarização

No meio político há quem avalie que o cenário mais tenso das eleições esfriou, até pela reação investigativa levada a cabo pelo Supremo Tribunal Federal, que baixou o tom nas redes sociais e nas ruas. É verdade que o clima entre vizinhos ou colegas de trabalho melhorou, mas há uma perigosa constatação que é a persistente polarização nas políticas públicas e na vida cotidiana das pessoas, como a queda da vacinação infantil no país, tema que até hoje é alvo de mensagens falaciosas disparada por bolsonaristas mais radicais em grupos de WhatsApp.

“Há outros exemplos no nosso dia a dia, como o controle da violência e da criminalidade urbana por meio de ações absolutamente polarizadas. As últimas chacinas acontecidas em São Paulo, na Bahia e no Rio de Janeiro, perpetradas pela polícia, onde nós vemos marcas brutais de um passado que queríamos sepultado, como cadáveres apresentando sinais de unhas arrancadas, de fuzilamentos, de tiros na nuca, mostra como isso continua sendo um elemento marcante na vida política brasileira. E é a resposta que tantos setores da população brasileira acham correta para a violência”, destaca o professor da UFRJ.

“Da mesma forma, a polêmica sobre a reforma do ensino no Estado de São Paulo, que poderia ser restrita aos especialistas, pedagogos e professores em geral, mas se mostrou altamente polarizada. O que menos se quer, na verdade, é discutir os conteúdos. Na verdade, os conteúdos são meros detalhes. O que se quer é a forma: banir da sociedade brasileira o uso do livro, enquanto outras nações mais desenvolvidas estão retornando ao livro”, disse.

Se a história, os políticos e o jejum longo de títulos da seleção de futebol não têm ajudado a conectar o brasileiro com sua história e suas datas cívicas, há quem aposte que a esperada melhora na qualidade de vida da população possa ser o catalisador nesse processo. “Eu creio que essa divisão, que sempre esteve presente na sociedade brasileira, mas que foi profundamente ampliada no governo Jair Bolsonaro, pode ser diminuída na medida em que o país se encontrar consigo mesmo. E isso vai levar em consideração um bom desempenho na economia, um bom desempenho na área social”, afirmou Antônio Barbosa, da UnB.

“Independência não está terminada”

Em rede nacional de rádio e TV ontem à noite, o presidente Lula pregou união e nem citou a invasão de prédios público em 8 de janeiro. “A independência do Brasil ainda não está terminada. Ela precisa ser construída a cada dia, por todos nós, sobre três grandes alicerces: democracia, soberania e união”.

Ao falar das celebrações pela independência, Lula disse que “não será um dia nem de ódio, nem de medo, e sim de união. O dia de lembrarmos que o Brasil é um só. Que podemos ter sotaques diferentes, torcer para times diferentes, seguir religiões diferentes, ter preferência por este ou por aquele candidato, mas que somos uma mesma grande nação, um único e extraordinário povo.”

No entanto, o tom de todo pronunciamento foi eleitoral, como uma peça publicitária, falando de ações já tomadas por sua equipe e outras que pretende anunciar, típica comunicação que agrada seus apoiadores, mas é de cara hostilizada por ser adversários.

Presidência do G20

O presidente Lula e ministros acompanham o desfile da Independência com um pé no avião, já que embarcam logo em seguida para a Índia, onde têm reuniões dias 8 e 9 de setembro. Haverá lá uma cerimônia para transferência da presidência rotativa do G20, que fica com o Brasil até o fim do próximo ano.

O governo brasileiro tem dito que sua prioridade maior será promover diálogo e políticas para combater a desigualdade nos países. Haverá também encontros bilaterais e um dos destaques é o acordo com a Índia para uso do etanol como combustível alternativo.