Uma organização alemã está impulsionando um boicote ao morango e a outras frutas vermelhas produzidas na região sul da Espanha. Em uma plataforma de petição online, mais de 164 mil pessoas já prestaram apoio à campanha. O principal argumento é o de que o cultivo está sendo feito de forma predatória, ameaçando o Parque Nacional de Doñana, que corre o risco de secar.

Ana Beatriz Farias, correspondente da RFI na Espanha

Em meio à intensa repercussão que o assunto tem gerado, uma comitiva de nove parlamentares alemães viajou a Madri, onde se reuniu com representantes do governo espanhol.

A Comissão de Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Segurança Nuclear e Proteção do Consumidor do parlamento alemão, formada por deputados alemães das mais variadas vertentes ideológicas, veio à Espanha e esteve reunida nesta segunda-feira (5), em Madri, com o secretário de Estado do meio ambiente, Hugo Morán.

Segundo a embaixadora da Alemanha em Madri, Maria Margarete Gosse, o objetivo da viagem era trocar informações técnicas que interessam aos dois países sobre as mudanças climáticas e suas consequências.

Mesmo com essa finalidade comum entre Alemanha e Espanha, parte da programação prevista para a visita dos líderes germânicos foi cancelada já com os deputados em solo espanhol. A ida à região da Andaluzia, onde, segundo denúncias, está havendo extração ilegal de água para cultivo predatório de morango e outras frutas vermelhas, não vai mais acontecer.

Ainda de acordo com a embaixadora alemã, a decisão foi tomada, às vésperas das eleições gerais espanholas, “por respeito”. Tendo em vista a grande importância política que os temas tratados na visita ganharam nos últimos dias, a Alemanha decidiu evitar maior interferência no processo democrático em curso no país ibérico. Os espanhóis, que votariam para eleger o governo central do país em novembro, vão às urnas no dia 23 de julho, depois que o primeiro-ministro Pedro Sánchez anunciou o adiantamento do pleito. 

Campanha virtual, alcance real

Antes mesmo de a visita dos parlamentares alemães à Espanha se concretizar, a discussão sobre a sustentabilidade do cultivo de frutas vermelhas na Andaluzia já vinha dividindo profundamente a classe política por aqui. E o embate entre oposições, assim como a visita germânica, foi especialmente impulsionado pela campanha de boicote promovida pela organização alemã Campact, que tem como lema “detenha o roubo de água em troca de morangos baratos”.

O movimento, iniciado no fim do mês passado, já conta com mais de 164 mil assinaturas e faz um apelo para que os principais supermercados alemães parem de comercializar a fruta espanhola, conectando o cultivo do morango à situação de seca e estresse hídrico que sofre o Parque Nacional de Doñana.

Além de denunciar uma exploração predatória que estaria contribuindo para a escassez de água, o manifesto de campanha presente no site diz que a Alemanha é o comprador mais importante de morangos espanhóis e que os morangos importados costumam ser muito mais baratos do que os alemães porque, na Espanha, os trabalhadores agrícolas “são explorados”. Assim, “os morangos são baratos às custas da natureza e das pessoas”.

O texto presente no site argumenta, ainda, que o Parque Nacional de Doñana, maior zona úmida da Europa, enfrenta uma “enorme escassez de água”. Como razões para isso, são apontadas a diminuição de águas subterrâneas, por conta da seca enfrentada pela Espanha, e a crise climática. “Por outro lado, a agricultura exacerba a escassez de água”, pontua a publicação, afirmando que o cultivo de frutas vermelhas como o morango consome uma “quantidade extremamente grande de água”.

Embate político

O alcance conquistado pela campanha acirrou a tensão entre o governo central espanhol, de esquerda, e o governo direitista da região da Andaluzia. Diante da intensificação do debate acerca da forma de cultivo de morango e de outras frutas vermelhas no sul do país, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol, publicou em uma rede social: “o negacionismo arruina o meio ambiente e põe em risco as economias locais. Salvemos Doñana”. 

Terceira vice-presidenta de governo e ministra para a transição ecológica e desafio demográfico, Teresa Ribera (PSOE) seguiu a mesma linha e comentou o estado de alerta entre os consumidores alemães que ameaçam um boicote ao consumo de morangos vindos da Espanha. Ribera disse que “Juanma Moreno deve retirar imediatamente a lei de irrigação que ameaça Doñana”, referindo-se ao governador da região da Andaluzia para demonstrar rechaço a uma medida impulsionada por partidos de direita que prevê a legalização de cultivos até então proibidos no entorno do Parque Nacional de Doñana.

A proposta de lei reconhece 800 hectares como possíveis zonas agrícolas e tramita em caráter de urgência no parlamento andaluz. Além da oposição do governo central, o projeto enfrenta possibilidades de multa por parte da União Europeia, caso seja aprovado, e a reprovação de nomes da comunidade científica e de ecologistas.

Juanma Moreno, que governa a Andaluzia e lidera o Partido Popular na região, sustenta o argumento de que a manipulação do governo nacional fugiu do controle e diz que, “falando mal de Andaluzia e dos seus agricultores”, os governantes espanhóis estão brincando com o pão de milhares de famílias.

Setor agrícola

Diante de toda a polêmica envolvendo o cultivo na região, a Interfesa, Interprofissional Andaluza do Morango e das Frutas Vermelhas, declarou que todos os morangos e demais frutas vermelhas cultivados na cidade de Huelva — principal produtora — cumprem as certificações e os protocolos internacionais de gestão responsável de água exigidos pelos supermercados europeus.

Por outro lado, a Federação Espanhola de Associações de Produtores Exportadores de Frutas e Hortaliças, a FEPEX, publicou que as críticas da campanha alemã são injustificadas e que respondem a objetivos comerciais. Segundo a organização, essa é uma tentativa de desprestigiar os competidores para fortalecer o mercado interno.

A Associação de Jovens Agricultores, em comunicado oficial, acusou o primeiro-ministro Pedro Sánchez de atacar o setor agrário do país, somando-se a uma campanha de desprestígio. A associação ressaltou, ainda, que a produção de frutas vermelhas em Huelva se traduz em mais de € 600 milhões anuais, gerando mais de 100 mil empregos.