Quero começar o texto deixando bem explícito que eu ODEIO sensacionalismo. Sabe aqueles “jornais” que curtem mostrar pessoas marginalizadas apanhando e logo em seguida entrevistar a família perguntando como é ter o seu filho assassinado? Eu abomino esse tipo de conteúdo que só existe para satisfazer a sede de sangue enrustida dos reaças.  Lembrando que... Continuar Lendo →

Quero começar o texto deixando bem explícito que eu ODEIO sensacionalismo. Sabe aqueles “jornais” que curtem mostrar pessoas marginalizadas apanhando e logo em seguida entrevistar a família perguntando como é ter o seu filho assassinado? Eu abomino esse tipo de conteúdo que só existe para satisfazer a sede de sangue enrustida dos reaças. 

Lembrando que gostar de conteúdo feito sobre crimes reais é diferente disso! Eu consumo muito crime real tanto em vídeos do Youtube quanto em podcasts. Contudo, a diferença entre a comunidade de true crime e esses “jornais” sensacionalistas está na forma apresentada e na intenção. Os conteudistas de crime real não querem chocar, eles querem debater os motivos, a psicologia e todo o contexto daquele crime. Além disso, eles costumam avisar os gatilhos e tratar todos os envolvidos com muito respeito. 

Meu texto não é sobre esses assuntos, mas como lida com obras fictícias violentas, eu achei que seria bom explicar isso para que ninguém fale besteira depois ou faça comparações ridículas.

Enfim, eu estou aqui hoje para falar de cinema extremo, ou seja, aquele grupo de filmes que deixa as pessoas desconfortáveis e pensativas, muitas vezes horrorizadas e enojadas. Seja como for sua reação, o cinema extremo tem intenções variadas. Alguns querem só chocar, outros querem apresentar conceitos profundos e uns encontram no extremo uma forma de expressar suas ideias criativas.

Aliás, criatividade deve ser uma das palavras-chave aqui! Afinal, é o que mais me interessa no cinema extremo. 

Sim, eu sou uma fã do cinema extremo antes mesmo de saber que ele recebia esse nome. Eu sempre gostei de sentir algo com os filmes e sempre fui atrás de histórias criativas e diferenciadas. Afinal, quem assiste muitos filmes desde pequena já está cansada dos mesmos conceitos e roteiros parecidos.

Para você ter uma ideia, lá pelos meus 8 anos eu já assistia A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e Predador. Sozinha? Não, meus pais que colocavam e a gente assistia. Claro que eles tampavam meus olhos nas cenas mais violentas, mas eu já sabia que algo de escabroso estava acontecendo. Meu ponto aqui é: desde criança, eu adoro tramas que não têm medo de ousar para contar suas histórias. É algo intrínseco.

Muitas vezes, depois de assistir a filmes extremos, eu me pergunto “por quê?”. É por isso que decidi fazer este texto. Eu sei que muita gente também ama cinema extremo e não entende exatamente o porquê. Claro que eu não vou responder para todo mundo, cada um tem sua história, mas eu vou tentar apontar algumas teorias baseadas na minha pessoinha.

CINEMA EXTREMO: O QUE DIABOS É ISSO EXATAMENTE?

Antes de falar dos principais motivos para assistir ao cinema extremo, eu preciso explicar o que é o cinema extremo, pois muitos de vocês não fazem ideia do que infernos é isso.

Bom, cinema extremo engloba os filmes que não têm medo de afrontar. Eles são gráficos, viscerais e subversivos. Se a história contada precisa de violência, eles mostram. Se precisa de nudez, eles mostram. Se precisa enojar, eles mostram. Eles dão os pulos deles para executar tudo o que a história precisa para ser exposta da melhor maneira.

Vou dar aqui um exemplo bem clássico, que a maioria das pessoas conhece, mas muitos nunca tiveram coragem de assistir: A Centopeia Humana. 

A trama do filme é sobre um cirurgião famoso (e maluco) que sequestra três pessoas para criar uma criatura com um único sistema digestivo, ou seja, a tal centopeia humana. 

Eu vi o filme e não achei tão perturbador assim. Só que eu estou acostumada a ver esses tipos de obras, então minha sensibilidade atual para a ficção cabe numa colher de café. Entretanto, se você não tem contato com o cinema extremo, vai achar o conceito de unir as pessoas pelo rabo bem sinistro e assustador. Assim, o filme vai afetar você como ele deseja.

Perceba que o diretor/roteirista pegou um conceito inédito e inovador (inovador não significa legal) para criar um filme, sem medo de apresentar os detalhes de forma gráfica (por mais que esse filme nem seja tão gráfico quanto o Centopeia Humana 2). 

O cinema extremo é sobre isso.

CRIATIVIDADE SEM LIMITES

Como eu já disse, um dos pontos que mais me atraem ao cinema extremo é a criatividade dos diretores e roteiristas. Eles não se acanham na hora de expor suas ideias, por mais bizarras que elas sejam. Eu acho isso lindo, pois o cinema já está cheio de clichês. Então, quanto mais histórias inovadoras nós tivermos, melhor.

Um dos primeiros filmes extremos que eu assisti foi Mártires (2008). A história dessa experiência é até engraçadinha: eu estava em uma playlist procurando filmes com temática lésbica, até que me deparei com esse e achei a sinopse interessante. Quando terminei de assistir, eu pensei duas coisas de uma vez: “deus me livre, quem me dera”. 

Aliás, Mártires vem de um movimento muito importante para o cinema extremo, o “Novo Extremismo Francês”. Resumidamente, os filmes desse movimento querem te deixar desconfortável. Não apenas com as cenas gráficas, sangrentas e brutais, mas também com o roteiro e a ambientação. Toda a cinematografia é voltada para causar impacto, seja positivo ou negativo.

Alta Tensão (2003), A Invasora (2007) e Raw (2016) são alguns dos principais filmes do Novo Extremismo Francês, além de Mártires. Aliás, uma característica de todos citados é o protagonismo feminino. Falando nisso, uma das coisas que mais me impressiona nos filmes extremos é como os papéis das mulheres são variados. Elas podem ser as heroínas, as vilãs, as vítimas, as perturbadas ou as esclarecidas. Tanto a profundidade quanto a diversidade são muito maiores do que a maioria dos filmes mainstream.

Para exemplificar a criatividade e a coragem do cinema extremo, vou falar brevemente das tramas de dois filmes mencionados acima: A Invasora e Raw. No primeiro, uma mulher grávida e prestes a dar à luz tem a sua casa invadida por uma moça que deseja arrancar o feto de dentro dela à força. No segundo, uma estudante vegetariana de veterinária começa a ter desejos por carne humana, e não no sentido sexual.

Em muitos dos casos, os roteiristas querem expor as bizarrices que acontecem dentro do cocoruto humano. Eles querem explorar bem tudo de sinistro que as pessoas podem oferecer ao mundo. Todos os gatilhos que nos formam como criaturas imperfeitas.

É lógico que em certos filmes essa ideia é só uma desculpa para as cenas de violência gratuita. Por exemplo, uma das obras mais pesadas de todos os tempos é o alemão Melancholie der Engel (2009), que contém diversas parafilias e mortes reais de animais. O diretor e roteirista (que nunca teve coragem de mostrar sua verdadeira identidade) aparentemente tem a intenção de discutir o niilismo e o que o ser humano é capaz de fazer quando não tem nada a perder. Contudo, o filme é só uma sequência mal realizada de várias cenas cruéis feitas para chocar. 

Por outro lado, temos A Serbian Film (2010), um dos filmes extremos mais famosos e temidos. Eu particularmente acho o filme muito chato. Sim, ele tem cenas bem violentas e desconfortáveis, mas a maior parte é só um blábláblá mal escrito e mal atuado. Entretanto, é mais compreensível entender o que o diretor afirmou: que a obra é uma crítica à história violenta da Sérvia. Isso é notável tanto pelos diálogos quanto pela ambientação.

Portanto, quando falo em criatividade, quero dizer que o cinema extremo é uma porta aberta para isso, mas não necessariamente significa que todos os filmes extremos saberão aproveitar bem essa deixa.

“WE LIVE IN A SOCIETY”

Outro ponto que me toca bastante no cinema extremo é a crítica à sociedade. Eu tenho uma relação de amor e ódio com a sociedade. Atualmente, é mais ódio do que amor, devido ao meu rancor pelas pessoas que votaram nessa bosta ambulante na presidência do Brasil.

Enfim…

Como já citei com A Serbian Film, muitos dos filmes extremos desejam fazer uma crítica social e usam da violência para expor o quão agressivo e terrível o contexto real é. 

Para o maior exemplo deste tópico, vou usar um dos meus filmes favoritos do cinema extremo: Salò ou 120 dias de sodoma (1975), do maravilhoso Pier Paolo Pasolini, que foi assassinado por uma conspiração absurda. 

O filme é baseado em um dos contos do Marquês de Sade – se você não sabe quem é essa criatura, vai pesquisar, porque eu precisaria de mais um textão inteiro para explicar. Na trama adaptada, um grupo de jovens é sequestrado e aprisionado por fascistas, que praticam todos os tipos de torturas físicas e mentais com eles. Esses torturadores dizem que os jovens sobreviventes às torturas poderão ir até Salò, a cidade italiana escolhida para ser capital do regime fascista.

De fato, o longa-metragem expõe muitas coisas absurdas e bizarras, sem medo de mostrar qualquer tortura – inclusive, o infame banquete de fezes. Contudo, cada um dos algozes representa uma parte corrupta da sociedade, como o clero, a nobreza e o capitalismo. Por isso, ao terminar de ver o filme, você fica com um gosto amargo na boca. Não pela violência (ou a bosta), mas por saber que o fascismo existiu e continua existindo. 

Outra obra importante para o cinema extremo é Holocausto Canibal (1980), do polêmico italiano Ruggero Deodato. Além de ser um dos maiores expoentes do terror canibal, ele também se destaca pela real crueldade animal que acontece no filme. No entanto, além de tudo isso, ele serve como uma crítica à sociedade “civilizada”, que se acha superior às comunidades indígenas. O longa mostra bem como os brancos são os verdadeiros assassinos e destruidores de minorias, mesmo pagando de vítimas.

Recentemente, assisti a um ótimo filme que não chega a ser extreeeemo, mas tem uma boa pitada de terror e gorezinho, o Animales Humanos (2020). Ele faz uma baita crítica ao individualismo da classe média alta e a verdadeira natureza das pessoas. A trama é pesada tanto para famílias com crianças quanto para quem tem cachorros. Spoiler: eu obviamente fiquei do lado dos donos do cachorro, afinal, eu tenho 5!

Aliás, o filme  é dirigido pelo mexicano Lex Ortega, que também é o responsável por Atroz (2005), um filme realmente extremo e difícil de ver. Se quiser assistir Animales Humanos, irá encontrá-lo no Prime Video. Vale muito a pena, não é tão extremo quanto poderia ser, então você pode assistir mais de boas se não estiver acostumada(o) com isso.

ATÉ ONDE EU POSSO IR?

Um fator que move muitas pessoas (inclusive eu) a mergulhar nesse mar sombrio do cinema extremo é a vontade de se desafiar. “Até onde eu posso ir sem me sentir mal? Será que eu tenho um limite? Quanto de violência ou escatologia eu posso aguentar sem vomitar? Esse filme é tudo isso que o pessoal fala mesmo ou eu tô ficando insensível?” são as diversas perguntas que se passam em minha cabeça e provavelmente na cabeça dos amantes de cinema extremo.

Muitas vezes vemos filmes que nem têm sinopses interessantes só para nos testar. É um tipo de curiosidade mórbida que pode dar muito errado, mas que no final, é o que move o ser humano a evoluir e expandir a mente. Quando você entra nesses mundos violentos e aterrorizantes, dificilmente sairá de lá da mesma forma.

Como eu disse antes, eu gosto de sentir alguma coisa assistindo a filmes. É claro que cada um tem sua maneira de aproveitar as experiências, você pode gostar de não sentir nada ao ver algo e tudo bem também. O importante é fazer aquilo que você quiser sem tentar se prender às regras não escritas da sociedade. No meu caso, eu estou sempre procurando filmes cujas tramas saiam da normalidade e explorem lados obscuros dos seres humanos porque eu quero ter algum sentimento real com relação à história, seja negativo ou positivo.

Sim, eu sou o tipo de pessoa que prefere se sentir desconfortável e incomodada com uma obra do que esquecê-la cinco minutos depois de ter assistido. Às vezes o tiro sai pela culatra, mas até agora eu nunca me arrependi de ter visto algo, mesmo aqueles filmes ruins de doer. 

Apesar de ficar cada vez mais insensível a essas cenas, eu ainda tenho um problema sério com filmes que maltratam animais de verdade, como alguns que citei neste texto. Eu sou totalmente a favor da “arte sem limites”, mas por que diabos você acha legal abusar de um animal inocente quando pode fazer isso de forma falsa? Afinal, o cinema é sobre criar irrealidades que parecem reais, certo? Então, parece preguiçoso e pouco criativo usar um animal de verdade quando você poderia simplesmente montar um esquema bem feito sem machucar os bichinhos. 

Enfim, se tem algo que me deixa nervosa é ver animaizinhos serem machucados só pela vaidade humana. Não, não sou vegana ou vegetariana, mas eu tenho noção de que o cinema NÃO PRECISA maltratar animais para fazer arte.

Nossa, que bíblia, né. Se você chegou até aqui, MUITO OBRIGADA, você é uma campeã (ou campeão). Toma um biscoito ensanguentado .  

Resumindo tudo, muita gente (oi, eu) assiste a filmes extremos porque querem tramas criativas e fora da caixa, acham a sociedade absurda e procuram se desafiar para encontrar limites pessoais. É sobre isso, né criaturas?

Deixem nos comentários seus filmes extremos favoritos ou aqueles que mais te causaram um impacto!