Você sabia que agosto é o Mês da Visibilidade Lésbica no Brasil? Muita gente se esquece ou simplesmente não faz ideia disso. Além de não ser tão divulgado quanto deveria, é triste observar que entre os termos mais procurados quando digitamos “mês da visibilidade” no Google, estão: “LGBT”, “trans” e “bi”, sem que “lésbica” em... Continuar Lendo →

Você sabia que agosto é o Mês da Visibilidade Lésbica no Brasil? Muita gente se esquece ou simplesmente não faz ideia disso. Além de não ser tão divulgado quanto deveria, é triste observar que entre os termos mais procurados quando digitamos “mês da visibilidade” no Google, estão: “LGBT”, “trans” e “bi”, sem que “lésbica” em nenhum momento apareça na lista. Isso só reforça ainda mais a minha certeza de que as lésbicas são sim o grupo mais invisibilizado dentro da própria comunidade.


Agosto é considerado o mês da visibilidade lésbica nacional porque une dois grandes eventos para as causas lésbicas no país. Caso não saiba, o dia 19 de agosto é considerado o Dia Nacional do Orgulho Lésbico, pois, em 1983, a ativista Rosely Roth (1959-1990) organizou, em conjunto com outras mulheres, diversos protestos na frente do “Ferro’s Bar”. Isso ocorreu porque o dono não autorizou a distribuição e venda de boletins sobre luta e liberdade sexual do Grupo Ação Lésbica-Feminista. Não apenas isso: ele chegou a partir para a violência contra as moças, colocando-as para fora do estabelecimento. Foi a gota d’água, pois o bar de São Paulo era um point conhecido das lésbicas, que praticamente sustentavam o local, mas não podiam vender seus boletins – sendo que diversas outras coisas podiam ser vendidas lá, como substâncias ilícitas.



 


Com a união das várias ativistas, o levante do Ferro’s Bar deu certo, a justiça agiu e o dono foi obrigado a pedir desculpas, além de, é claro, permitir a venda dos boletins. Uma curiosidade é que quem também estava presente no protesto era o então deputado Eduardo Suplicy!


Já o dia 29 de agosto é tido como o Dia da Visibilidade Lésbica por aqui, pois foi nesse dia, em 1996, que ocorreu o primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), no Rio de Janeiro. Ele foi organizado pelo COLERJ (Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro), que tinha como tema “Visibilidade, Saúde e Organização”, impulsionando a discussão sobre sexualidade e as prevenções contra o HIV e ISTs.


Foram muitos os acontecimentos importantíssimos para o direito das lésbicas no país, que hoje são tão esquecidos e apagados. Vamos mantê-los na nossa memória, entender sua importância e usá-los de inspiração para os tempos de hoje. Nós precisamos muito dessa força do passado nos guiando no momento atual.


Enfim, agora que vocês sabem porque agosto é considerado esse mês tão importante para a luta das lésbicas, eu quero falar sobre como é essa (in)visibilidade no cenário do entretenimento. Contudo, apesar de estar encaixada na sigla LGBT+, eu não sou lésbica e não quero tomar a voz de quem tem essa vivência. Por isso, chamei a Gabi Rojas (arquiteta, cheirosa e maravilhosa) para uma entrevista sobre a representatividade lésbica nos dia de hoje. É bom que vocês prestem atenção no que ela tem para falar!


Confiram a entrevista inteira abaixo!


Qual foi o seu primeiro contato com lésbicas no mundo do entretenimento?


Gabi: Meu primeiro contato, como muitas, foi com “The L Word”, o que acho que é um ótimo meio de entrada para o mundo lésbico, porque, além de ser uma ótima série para qualquer um (hétero ou gay) assistir, trata o assunto com leveza e normalidade que nós sentimos. É claro que trata  também sobre preconceito, mas pra quem vive nesse mundo, preconceito é só uma das coisas que acontece, a série também traz muita comédia e complicações de relacionamentos, como acontece com qualquer um, e isso é muito bom.


O que mais te incomoda no modo ao qual as lésbicas são representadas na tv e no cinema?


Gabi: Me incomoda bastante se focarem apenas no sofrimento da mulher que ama outra mulher, com o preconceito, no sexo e na imagem da lésbica estereotipada. É claro que sofremos bastante com preconceito,  mas para muitas pessoas, esse sofrimento nem é o maior problema da vida delas. Ás vezes, o maior sofrimento é o de amor mesmo, como em qualquer relacionamento, mas os filmes costumam exagerar nessas formas de sofrimento. É sempre uma depressão, até parece que ser lésbica é ser sofrida. Quanto ao sexo, bom, é claro que uma cena de pegação sempre vai bem, mas até isso parece ser conceitual demais (às vezes até parece sofrido), sempre se focando no fato que são duas mulheres fazendo sexo, que parece até fetichento. É só sexo gente, tem que ser divertido e gostoso, essa é a regra (risos).


Quanto ao esteriótipo, nem sei se preciso comentar. Entendo que existam, claro, como em tudo na vida, nós humanos nos copiamos (risos). Mas lésbicas ainda são pessoas e existe uma infinidade de jeitos e gostos e estilos, repito, como em qualquer lugar da Terra.


Você sente que existe mais representatividade lésbica? O que você sente que mudou?


Gabi: Eu acho que estão tentando. Acontece que muitos estão pecando ainda nessa questão de esteriótipo e sexo, mas pelo menos o sofrimento diminuiu (risos). Essa era a coisa que mais incomodava no “entretenimento” – muito divertido ver suicídio, gente matando a mãe e depressão. Agora o que acontece é procurar dar leveza ao assunto, mas às vezes fica algo forçado, não sei, ainda não botaram o tempero certo. A questão do sexo melhorou bastante, mas ainda parece algo fetichento. Isso me incomodou muito em “Coisa mais linda”.


Cite algumas representações lésbicas que você gosta e indica.


Gabi: #Juliantina pra mim hoje é uma das melhores representações lésbicas da tv. Aqui os esteriótipos somem, são duas pessoas com os padrões normais para o contexto da novela (Juliana vem de umas quebradas e Valentina é rica). São duas meninas bonitas (como todo mundo em uma novela), sabe, não são todas as lésbicas que tem tatuagem, usam alargador, tem cabelo curto, etc. São pessoas que apenas estão nos padrões normais dos personagens da novela e que integram a trama principal. O amor delas é conduzido de forma muito fluida e natural (e clichê). É muito bonitinho, como um romance bobo normal (o sonho de toda lésbica, que só viu a vida inteira lésbicas depressivas no cinema).


A questão do preconceito entra forte na trama, o que mostra que essa parte não é esquecida. Porém, ele vem de encontro a uma leveza de um romance tão gostoso, que as duas personagens chegam a se assustar com a agressividade das pessoas, o que é exatamente a visão que temos do preconceito: “meu Deus, o que você tem a ver com a minha vida? Não estou fazendo nada de errado para você me tratar assim”.  Mas o preconceito também é apenas uma parte da trama das duas, existem ainda questões pessoais de cada uma, ligadas à linha principal da novela, mostrando que uma pessoa é muito mais do que ser lésbica, tem tantas coisas mais. 


Além, É CLARO, das cenas de beijo e de sexo. Pode parecer bobo falar disso pois estamos falando de um romance, mas a palavra é REPRESENTATIVIDADE, e isso ter acontecido em uma novela de horário (Amar a Muerte) nobre em um país extremamente conservador e religioso como o México é de extrema importância, nos deixa muito felizes e esperançosas de ver como o mundo está mudando.


O quão importante é pra você e pra sua vida a representatividade lésbica?


Gabi: Muito. É claro, ser lésbica não é a principal coisa da minha vida – no momento me preocupo mais em terminar a faculdade (risos), mas ainda sofro com as questões de preconceito. Sinto que eu, sozinha, não consigo mudar a mente de quem me afeta, mas um conjunto, uma sociedade com valores renovados e um consenso em geral tem muito poder sobre a mente das pessoas, tudo é influência. Afinal, aprendemos uns com os outros.


De fato, aprendemos uns com os outros. Espero que este texto e os depoimentos da Gabi tenham servido para abrir a sua mente de alguma maneira, nem que seja só um pouquinho.


Agosto é um mês para lembrarmos com mais força e agirmos com mais intensidade. Entretanto, a representatividade lésbica precisa ser cobrada e estimulada por todo o ano. O respeito às lutas das manas também. Com isso, quero deixar aqui o meu abraço virtual apertado e a minha força a todas as lésbicas que são nossas leitoras/ouvintes, as que estão sempre batalhando por visibilidade e direitos humanos e as que existem e resistem perante essa onda de opressão. Obrigada!


“Um dia sem lésbicas é como um dia sem o brilho do sol”