Exames com metodologias inovadoras recém-lançados podem ajudar a ampliar a testagem no país

Tornar os kits de diagnóstico para detecção do Sars-CoV-2 mais acessíveis à população e, assim, elevar o número de testes são um dos principais desafios para lidar com a pandemia da Covid-19 no Brasil. Nos últimos meses, laboratórios farmacêuticos, universidades, centros de pesquisa e empresas da área da saúde têm desenvolvido novos exames para diagnosticar com precisão a doença, o que é vital para a definição de estratégias de contenção do vírus. Entre os vários testes lançados recentemente, dois destacam-se por empregar metodologias inovadoras e por permitir o processamento de grande número de exames em pouco tempo.


Um deles, anunciado no fim de maio, foi criado pelo Grupo Fleury, de São Paulo. O exame é realizado a partir da identificação de proteínas do novo coronavírus por um método conhecido como proteômica direcionada por espectrometria de massa. Proteômica é a área da biologia molecular encarregada da análise em larga escala de proteomas, o conjunto de proteínas de um organismo ou tecido. Já a espectrometria de massa é uma técnica analítica que identifica alvos de interesse a partir da medição de sua massa e caracterização de sua estrutura química.


“Trata-se do primeiro teste do gênero no mundo”, informa o infectologista Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury. Batizado de Covid-19MS, o exame é feito a partir de amostras do trato respiratório, as mesmas colhidas para a realização dos testes moleculares RT-PCR, que detectam o RNA, o material genético do vírus, e são considerados o padrão ouro para diagnóstico da Covid-19. A vantagem sobre estes é que o novo teste é totalmente automatizado, reduzindo os riscos de contaminação durante a manipulação das amostras.



Entrevista: Celso Granato



     



Granato destaca também a maior estabilidade das amostras colhidas para o exame por proteômica, permitindo que sejam transportadas em temperatura ambiente, ampliando o acesso ao teste a populações que vivem em lugares remotos do país. “Determinadas regiões têm dificuldade para fazer o teste de PCR porque o RNA degrada muito rapidamente. O mesmo não ocorre com as proteínas, que podem ser detectadas até cinco dias após a coleta da amostra”, explica o diretor clínico do Grupo Fleury. O laboratório estima que, quando as amostras forem colhidas em municípios distantes, o resultado do teste ficará pronto em três dias úteis, prazo inferior ao do processamento dos exames moleculares feitos nesses locais.


Outra vantagem do teste por proteômica é que seus reagentes não competem com os exames RT-PCR. “A possibilidade de detectar um novo marcador, além do RNA, abre novas perspectivas no seguimento da dinâmica do vírus e seu potencial infectante”, completa Granato. A empresa poderá processar 1,5 mil exames por dia, mais que dobrando sua capacidade atual, de 4 mil testes.


A validação do Covid-19MS foi feita a partir de 562 amostras previamente analisadas por RT-PCR. O exame foi capaz de detectar 84% dos casos positivos – essa é sua taxa de sensibilidade. Ao mesmo tempo, não identificou erroneamente como positivo nenhuma amostra cujo resultado sabidamente era negativo – o que significa que sua especificidade é de 100%. Um artigo detalhando o processo de validação do exame, já disponível para hospitais, clínicas e laboratórios interessados, deve ser publicado em breve.


“Esse novo teste representa um avanço importante e é uma possibilidade real de aumentar a testagem no país, especialmente em locais distantes dos grandes centros”, opina o virologista Maurício Lacerda Nogueira, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp). “É um teste de antígeno que emprega uma abordagem inovadora e com potencial de ser relativamente barato.”


EXAME GENÉTICO POR NGS


O outro exame com características inovadoras divulgado recentemente no país foi criado pelo Hospital Israelita Albert Einstein. Ele é baseado na tecnologia de Sequenciamento de Nova Geração (NGS), já utilizada há alguns anos por médicos e geneticistas. Consiste na leitura de pequenos fragmentos de DNA para identificação de doenças ou mutações genéticas. A equipe do hospital paulista adaptou o método para identificar o RNA do novo coronavírus em amostras de swab (espécie de cotonete) colhidas no fundo do nariz ou garganta, tal como é feito no RT-PCR.


Hospital Israelita Albert EinsteinProfissional do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, trabalha no processamento de teste para Covid-19 com a tecnologia Sequenciamento de Nova Geração (NGS)Hospital Israelita Albert Einstein


Cláudio Terra, diretor de Inovação e Transformação Digital do Einstein, informa que o teste genético tem 100% de especificidade e acima de 90% de sensibilidade. “Sua precisão é equivalente à do RT-PCR, com a vantagem de que podemos realizar simultaneamente até 1.536 amostras, um volume 16 vezes superior ao dos exames moleculares”, diz Terra.


Segundo o executivo, esse é o primeiro teste de diagnóstico do mundo para o novo coronavírus baseado em NGS viável do ponto de vista de produção em escala. O Einstein já entrou com pedido de patente no Escritório de Patentes dos Estados Unidos (Uspto) – com isso, será válida para todos os países que aderiram ao Sistema Internacional de Patentes. Pelo menos duas empresas estrangeiras, a BillionToOne e a Fulgent Genetics, ambas da Califórnia, anunciaram nos últimos meses o lançamento de testes a partir de análise genética por NGS. Segundo o bioinformata Murilo Cervato, gerente de Inovação e Ciência de Dados do hospital, há diferenças significativas entre o teste brasileiro e os norte-americanos.


“A BilionToOne utiliza a técnica de Sanger, um sequenciamento de segunda geração, mais antiga do que a empregada no nosso teste. Esse método realiza apenas uma leitura da região de interesse do DNA. É diferente do teste do Einstein, que faz para uma mesma região milhares de sequências. Na patente que depositamos, descrevemos uma comparação entre nossa tecnologia e a da BillionToOne”, explica Cervato, que também é o CEO da Varstation, startup que criou a plataforma de bioinformática e inteligência artificial usada para análise dos dados e geração dos resultados para os testes.


O teste lançado pela Fulgent, por sua vez, se propõe a fazer o sequenciamento completo do genoma do vírus, segundo o executivo da Varstation. “Eles usam outra metodologia, chamada Sequenciamento de Genoma Completo [WGS], que também utiliza NGS, mas não para a finalidade de realização de testes massificados como a nossa solução. Apesar de ser um método robusto, não faz detecção qualitativa em massa, apontando ou não a presença do RNA viral. Ela é normalmente usada para sequenciar o genoma viral por inteiro. Tem, portanto, outra aplicação.”


Terra destaca que esse novo exame elevará consideravelmente a capacidade de testagem do hospital. “Desde o início da pandemia, realizamos 75 mil diagnósticos moleculares RT-PCR, além de outros exames para Covid-19. Com a capacidade instalada que temos hoje, poderemos processar cerca de 100 mil testes NGS por mês”, declara o executivo. 


Previsto para chegar ao mercado em meados de junho, o novo exame vai levar de dois a três dias para ficar pronto – a equipe do Einstein tenta reduzir esse prazo – e seu preço deverá ser inferior ao do teste molecular tradicional, que no hospital da capital paulista custa R$ 250. “Somos o país com um dos menores percentuais de diagnóstico per capita do mundo. Com a oferta desse produto, esperamos contribuir para o aumento da testagem no Brasil”, diz Terra.


Hospital Israelita Albert EinsteinTécnico manipula o sequenciador usado para processar o novo teste criado pelo EinsteinHospital Israelita Albert Einstein


Para Nogueira, da Famerp, todas as iniciativas que possam elevar a capacidade do país de testar para o novo coronavírus com segurança são válidas. “Baseado na técnica NGS, o teste do Einstein pode, de fato, permitir a testagem de grande número de amostras. É uma tecnologia interessante, mas não acredito que seja a solução do problema”, aponta Nogueira. “O equipamento para processar as amostras é caro – custa em torno de US$ 200 mil – e são poucas as instituições de saúde que têm um. Nenhum laboratório público do estado de São Paulo, por exemplo, dispõe desse aparelho para a rotina de diagnósticos; destinam-se apenas à realização de pesquisas. Isso pode ser um obstáculo.”

Ferramentas contra o Sars-CoV-2

Conheça os kits de diagnóstico que podem ajudar a conter o novo coronavírus no país

EXAME COVID-19MS

Quem criou Grupo Fleury

Tipo de diagnóstico Identificação de antígeno

O que detecta Presença de proteínas do vírus na amostra

Como Por proteômica dirigida por espectrometria de massa

Acurácia* 84% de sensibilidade e 100% de especificidade

Quando é mais eficaz 3 a 7 dias após o início dos sintomas

Tempo para processamento 3 dias úteis

Quanto custa R$ 170 a R$ 180


TESTE GENÉTICO POR NGS

Quem criou Hospital Israelita Albert Einstein

Tipo de diagnóstico Molecular

O que detecta Presença de fragmentos do RNA do vírus na amostra

Como Por Sequenciamento de Nova Geração (NGS)

Acurácia* 90% de sensibilidade e 100% de especificidade

Quando é mais eficaz Do 1o ao 15o dia de infeção

Tempo para processamento 3 dias

Quanto custa Ainda não definido


*Sensibilidade é a capacidade de identificar a presença do vírus, evitando falsos negativos; especificidade, a de reconhecer quem não tem o vírus, evitando falsos positivos


FONTE Grupo Fleury e Hospital Israelita Albert Einstein