A Câmara de Deputados da Bolívia aprovou por unanimidade, na noite de quarta-feira (01), a lei que fomenta a doação voluntária de plasma hiperimune. O tratamento feito à partir deste componente do sangue tem mostrado resultados favoráveis na recuperação de pacientes graves infectados pela Covid-19. A crescente busca pelo fluido e a oferta escassa - junto com a crise econômica causada pelos mais de cem dias de quarentena - transformou o plasma em uma mercadoria negociada ilegalmente. Há até quem o utilize para se autopromover.

Elianah Jorge, correspondente da RFI 

Apesar da rígida quarentena, a Bolívia registra mais de 33 mil casos da Covid-19. A doença matou mais de 1.123 pessoas em todo o país, que tem pouco mais de 11 milhões de habitantes.

Em maio, o Ministério da Saúde boliviano autorizou o uso do plasma hiperimune a pacientes graves contaminados pelo coronavírus. Apenas pessoas infectadas e que testaram negativo em dois exames podem fazer a doação do fluido. De acordo com órgãos oficiais, até terça-feira (30), a Bolívia registrou cerca de 9.340 pacientes recuperados. 

No entanto, a oferta deste material - extraído do sangue e do qual foram retirados os glóbulos vermelhos e brancos - ainda é inferior à alta quantidade de infectados. O plasma só pode ser injetado se houver compatibilidade sanguínea entre o doador e o paciente. Doentes com tipos sanguíneos AB positivo e AB negativo são os que têm mais dificuldade de consegui-lo.

Mercado ilegal de plasma

Com a lei da oferta e da procura em desequilíbrio, surgiu o mercado ilegal de plasma. Em vez de doar espontaneamente o fluido, há quem cobre por ele. 

A bolsa de plasma pode chegar a US$ 3 mil: valor bastante superior ao salário mínimo boliviano, equivalente a US$ 304 mensais. Além disso, o índice de desemprego nas áreas urbanas da Bolívia subiu para 7,34% em abril deste ano. De acordo com Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa é a mais alta desde 2016. 

Antes da aprovação pela Câmara de Deputados do texto que incentiva a doação de plasma por pessoas que superaram a Covid-19, a lei da medicina transfusional já determinava a proibição da venda de sangue e derivados, como é o caso do plasma. 

O texto aprovado na quarta-feira, e que depende do voto no Congresso, determina que “toda transfusão sanguínea está isenta de remuneração tanto para os profissionais e/ou para técnicos em nível institucional público, assim como aos doadores”. 

Cada doação pode apoiar o tratamento de duas a quatro pessoas. Muitos indivíduos que contraíram a Covid-19 estavam sofrendo preconceito no trabalho, por vizinhos e até mesmo por parentes. A situação mudou e graças aos incentivos: os doadores agora são vistos como heróis pela população, já que podem salvar vidas.

A lei determina a criação de um registro nacional de pacientes recuperados do coronavírus. A meta é obter uma base de dados atualizada e confidencial para ajudar pacientes em situações mais graves. 

SOS pelas redes sociais

Até que o Senado aprove o texto, as buscas por doações continuam sendo feitas nos bancos de sangue espalhados pelo país. Mas, pelas redes sociais, se multiplicam pedidos de doação de plasma. São centenas de perfis solicitando ajuda. 

A dentista Rosa Maria Jordán recorreu a amigos, familiares e também à internet, na busca pelo plasma hiperinume compatível para o sangue tipo O positivo. 

“Em nosso caso, graças a Deus, não houve necessidade de pagar à parte. Escutei que algumas pessoas estão cobrando pelo plasma. Outros o doam sem necessidade [de pagamento]. Pedem apenas que paguem o segundo teste sanguíneo para que saia negativo”, explica Rosa, cuja avó foi internada depois de ter sido contaminada pelo coronavírus. A idosa de 87 anos se recupera bem após a transfusão de plasma.

Rosa conseguiu a ajuda de um parente que é proprietário de uma fábrica. O empresário pediu apoio a um de seus funcionários, que se recuperou da Covid-19, para a avó de Rosa pudesse receber a doação voluntária.   

Eficácia do plasma    

Ainda não há dados suficientes sobre a capacidade de recuperação dos infectados que receberam plasma. De acordo com o médico Stephano Lorini, no hospital onde trabalha, em La Paz, oito doentes em estado crítico tiveram o fluido aplicado. "Sete destes pacientes puderam receber alta. Um, infelizmente, faleceu”, contou à RFI.

O plasma sanguíneo foi usado pela primeira vez na Bolívia na década de 1960 para casos de febre hemorrágica. Esta alternativa também está sendo utilizada na China, na Itália e em outros países para tratar pacientes contaminados pelo coronavírus.

Nas portas dos bancos de sangue na cidade de Santa Cruz de la Sierra, que registra o maior número de contagiados em toda a Bolívia, é comum ver pessoas empunhando cartazes pedindo doações de plasma. 

Apoio e autopromoção 

Várias campanhas incentivando a doação de plasma circulam pela Bolívia. Empresas, supermercados, restaurantes, concessionárias de veículos e até clubes de futebol estão aproveitando para se autopromover com a iniciativa. 

Na Imcruz, uma das principais lojas de veículos da Bolívia, quem apresentar o comprovante de doação voluntária de plasma concorre ao sorteio de um carro 0 km. Uma fábrica de produtos lácteos está doando cem litros de leite durante seis meses a quem já teve o coronavírus e fizer a boa ação. 

Já uma empresa de seguros está fornecendo uma apólice de seguro de US$ 10 mil em casos de acidentes pessoais a quem teve a Covid-19 e doou plasma. Uma rede de supermercados também propõe recompensar 120 doadores de plasma com um vale-compras no valor de 500 bolivianos (cerca de R$ 385). Alguns clubes de futebol da Bolívia oferecem facilidades a novos sócios que comprovem que doaram plasma. 

Até mesmo Jeanine Áñez, presidente interina da Bolívia e candidata à próxima eleição presidencial (agendada para 6 de setembro), prometeu condecorar policiais que doaram o fluido.