A escolha também implica uma escolha ideológica de alinhamento com os governos de centro-direita da região ou com a esquerda de Argentina e Venezuela. 

Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires

Depois de um ano num limbo político, a Bolívia vai às urnas neste domingo (18) para repetir as anuladas eleições de um ano atrás, mas com o mesmo objetivo: definir se muda de rumo, com Carlos Mesa, ou se prefere a volta da era Evo Morales, agora representado pelo seu ex-ministro da Economia, Luis Arce.

"Assim como há um ano, o dilema que os bolivianos vão decidir é o mesmo: democracia ou ditadura. Se preferirem voltar ao autoritarismo de Evo Morales ou se vão apostar pela democracia. Se optarem pelo passado, a Bolívia terá um regime alinhado com Venezuela, Nicarágua e Cuba", explica à RFI o economista e analista político, Carlos Toranzo, uma referência na Bolívia.

"Se Evo Morales voltar, a Bolívia será aliada novamente da Venezuela e da Argentina. Se Carlos Mesa ganhar, o caminho é de uma política mais liberal e com uma visão mais pragmática e menos ideológica das relações internacionais", acrescenta à RFI o analista político Raúl Peñaranda.

Um ano indefinido

As eleições vão repetir o pleito de 20 de outubro do ano passado, anulado pelo então presidente Evo Morales, depois de três semanas de protestos e greves contra uma fraude, apontada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), auditora do processo. Desde então, o país viveu sob o governo transitório de Jeanine Áñez, senadora da oposição, que assumiu depois que toda a linha sucessória, aliada a Morales, renunciou.

Esta é a primeira disputa eleitoral na América do Sul sob a pandemia. A votação acontece quando a curva de contágios na Bolívia começou a descer, durante o último mês de campanha.

Assim como há um ano, o partido de Evo Morales, o Movimento Ao Socialismo (MAS), tem a chance de ganhar no primeiro turno. Luís Arce está perto de ser eleito, mas, paradoxalmente, se não ganhar no domingo, provavelmente perderá depois. Arce está no teto do seu potencial de votos. Num segundo turno, todas as outras seis forças opositoras devem se somar para impedir o retorno do MAS.

Se a disputa for ao segundo turno, as chances de vitória são do Comunidade Cidadã, de Carlos Mesa. O jornalista e historiador de centro-esquerda governou interinamente a Bolívia entre 2003 e 2005 durante o caos social que levou à renúncia do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, de quem era vice.

Na Bolívia, para ser eleito no primeiro turno, o candidato deve superar os 50% dos votos ou ter mais de 40%, mas com uma diferença de, pelo menos, dez pontos de vantagem sobre o candidato seguinte.

Voto útil definirá o pleito

Quase todas as sondagens colocam Luis Arce com mais de 40% dos votos (entre 42,2% e 44,9%), mas com uma diferença ligeiramente menor do que os dez pontos necessários (entre 1,3 e 0,9% de diferença). Apenas uma pesquisa coloca Carlos Mesa (37,4%) tecnicamente empatado com Arce (37,2%).

A decisão estará nas mãos dos 19% de indecisos. Nesse sentido, o voto útil é o aspecto mais importante a partir do terceiro candidato, Luis Fernando Camacho (cerca de 15%), considerado o Jair Bolsonaro boliviano.

A liderança Camacho surgiu há exatamente um ano, quando comandou os protestos contra Evo Morales em Santa Cruz, região mais rica do país. Porém, se há um ano foi o artífice da queda de Morales, pode agora ser o artífice do seu retorno.

"A radiografia eleitoral é parecida com a do ano passado, mas não é exatamente a mesma. Naquela ocasião, a próspera e populosa Santa Cruz votou a favor de Mesa, mas agora tem um novo caudilho. Se esse novo líder tiver uma votação alta, abrirá as portas para o retorno de Morales. Nesse ponto, Camacho é o fiel da balança", aponta Carlos Toranzo.

Apesar das pressões por declinar a sua candidatura, Camacho manteve a sua postura, ao contrário da presidente transitória, Jeanine Áñez, e do ex-presidente Jorge Quiroga, que renunciaram à disputa para permitir o voto útil em favor de Mesa.

"Apesar das sondagens, acredito que a diferença entre Arce e Mesa será menor do que aparece nas medições. Portanto, teremos segundo turno", arrisca Raúl Peñaranda.

Para essa avaliação, o analista vê Camacho perdendo força na reta final da campanha, a declinação nesta semana da candidatura de Quiroga e uma tendência histórica do voto útil que aparece nas horas prévias à votação.

"São todos elementos que as pesquisas não conseguiram medir", acredita.

Evo Morales onipresente

Assim como há um ano, estas serão as eleições mais disputadas desde a década de 1950 e, pela primeira vez em 23 anos, Evo Morales ficará de fora de uma eleição na Bolívia. Em 1997, estreou no Legislativo como deputado. Chegou à Presidência em 2006 e governos por três mandatos – embora a Constituição, por ele modificada, permitisse apenas uma reeleição. Depois de 14 anos como presidente, tentou um quarto mandato, apesar de ter perdido um plebiscito para esse fim.

Evo Morales comanda a campanha a partir de Buenos Aires, onde se refugiou depois de renunciar e de uma breve passagem pelo México. A eventual vitória de Arce não só significará o regresso de Morales da Argentina à Bolívia, mas também o verdadeiro poder por trás de Arce.

"Morales é o dono do partido, o dono da sigla. Devido às circunstâncias, precisou escolher um delegado. Mas é Morales quem detém o poder e não o seu candidato", garante Toranzo.

"Pela personalidade e pelo poder de Morales, Arce teria o verdadeiro presidente respirando na sua nuca", concorda Peñaranda.

Temores de violência

Nos últimos dias, o MAS começou a denunciar possibilidade de fraude, invertendo a acusação que lhe fizeram há um ano. A estratégia começa a preparar o cenário, caso Luis Arce não ganhe logo no domingo.

A possibilidade de confronto social entre manifestantes e militantes com protestos e bloqueios de estradas levou milhares de pessoas em La Paz a se abastecerem de alimentos e de combustível, temendo o que possa acontecer nas próximas semanas. Há um ano, esses enfrentamentos deixaram 37 mortos e mais de 800 feridos.

"As pessoas estão atemorizadas. Se Morales não ganhar, vão dizer que houve fraude e vão sair às ruas, tentando impedir o novo governo. Vão apelar à violência. O MAS não acredita na democracia nem nas eleições. Só acredita quando ganha", prevê Carlos Toranzo.

A convulsão social de um ano atrás levou Morales a renunciar em 10 de novembro, denunciando um suposto "golpe de Estado", depois de perder o apoio dos sindicatos, da Igreja e das Forças Armadas, quando faltavam apenas dois meses para final do seu mandato.

Devido à pandemia, as novas eleições foram remarcadas três vezes: 3 de maio, 6 de setembro e 18 de outubro.

Paridade no Congresso

A paridade da disputa de agora tende a levar equilíbrio na composição do Parlamento entre forças opositores e governistas, ganhe quem ganhar. Durante 14 anos, Evo Morales aproveitou os 2/3 que possuía, tanto entre os 130 deputados quanto entre os 36 senadores, para governar de forma hegemônica.

"Será um Parlamento dividido que deverá voltar à lógica de acordos, parte da democracia. Temos de reaprender que democracia é pactar", conclui Carlos Toranzo.