A partir desta quarta-feira (1°) até 17 de julho, a região metropolitana de Buenos Aires volta ao "lockdown" instituído na primeira fase da epidemia do coronavírus, iniciado em 20 de março. O país totaliza 120 dias de uma das quarentenas mais prolongadas e rigorosas do mundo. Essa estratégia tem minimizado a quantidade de vítimas, mas especialistas advertem que o custo econômico e social será o mais alto da região, pior do que o colapso ocorrido em 2001.

Do correspondente da RFI em Buenos Aires

Durante o último anúncio de uma nova extensão da quarentena, com endurecimento do regime em Buenos Aires, o presidente Alberto Fernández disse que sabia das consequências econômicas das restrições. Fernández afirmou que "escuta os comerciantes e os profissionais autônomos", mas considera que "o esforço vale a pena".

"Não temos de nos zangar com o remédio, mas com a doença. Estamos cuidando da vida. A economia se deteriora, mas se recupera. O que não vamos recuperar são esses mil argentinos que perdemos", disse Fernández, insistindo que "o problema econômico não é a quarentena, mas a pandemia".

Muitos analistas atribuem o bom resultado sanitário a um férreo isolamento que deverá, no entanto, gerar consequências mais graves do que o colapso social e econômico enfrentado há duas décadas. Eles temem a combinação explosiva do prolongado "lockdown" com os graves problemas econômicos pré-existentes.

"A Argentina entrou nesta pandemia em pior condição do que os demais países e vai sair também em piores condições. A pandemia gera aqui um confinamento mais prolongado e mais estrito do que nos demais países da América Latina", explica à RFI o analista econômico e consultor de empresas Marcelo Elizondo, uma referência no mercado.

A Federação de Comércio e Indústria da Cidade de Buenos Aires (Fecoba) calculou que 24 mil lojas, o equivalente a 18% do total, fecharam as portas para sempre. Com o endurecimento da quarentena, esse número de falências pode subir para 27%, só na capital argentina.

Uma pesquisa entre empresários da Federação Empresarial de Hotelaria e Gastronomia (Fehgra) prevê a falência de 65% dos hotéis e de 75% dos restaurantes, caso a quarentena se prolongue além do mês de julho. Ao mesmo tempo, ninguém prevê a suspensão das restrições antes de setembro.

A União Industrial Argentina (UIA) advertiu que 40% das fábricas do país correm risco de quebrar nos próximos três meses. Ao contrário dos demais países, o governo argentino decretou que, durante a quarentena, nenhuma empresa pode demitir nem reduzir salários.

Recuo de 20 anos

Segundo um estudo da Universidade de Oxford, a Argentina tem a quarta quarentena mais rígida do mundo, depois de China, Itália e Peru. A Itália flexibilizou o regime, depois de controlar a epidemia, e o Peru anunciou um relaxamento para este mês. A Argentina vai na contramão dessa tendência.

O Fundo Monetário Internacional projeta uma queda de 9,9% para o PIB da Argentina em 2020, mas essa cifra reflete uma realidade de abril. Com o endurecimento da quarentena, as principais consultoras do país calculam uma queda entre 12% e 15% do PIB, uma das maiores do mundo.

A Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas (Fiel), a EcoGo e a Abeceb calculam até 13% de queda. Já a Invecq Consulting vê um número mais próximo de 15%. O tamanho da contração colocaria o PIB na dimensão de 20 anos atrás.

O país teve uma contração de 26,4% em abril, mês de total confinamento. Foi a maior contração da história, superior aos 16,7% de março de 2002, até agora o pior mês.

"Vamos a uma situação pior do que 2002. Na época, tínhamos capacidade industrial ociosa para reativar a economia. Agora, temos capacidade industrial destruída. Na época, o mundo iniciava uma bonança com um 'boom' das matérias-primas. Agora, é exatamente o contrário", compara para a RFI o analista político Raúl Aragón, um dos mais respeitados do país.

"Comorbidades econômicas"

As comorbidades de base potencializam a queda da Argentina e o número de falências. O comércio, a indústria e o Estado enfrentam essa pandemia sem oxigênio. Prova dessas comorbidades é que o PIB argentino caiu 5,4% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2019, quando apenas dez dias desse período foram em quarentena.

A Argentina combina forte recessão há dois anos (quedas de 2,5% em 2018 e de 2,1% em 2019) com uma das maiores taxas de inflação do mundo (53,8% em 2019).

Quase não há reservas disponíveis no Banco Central. O país entrou em moratória da dívida em 22 de maio; nem o Estado nem as empresas podem captar recursos para combater as consequências da pandemia.

Sem dinheiro, o governo passou a emitir moeda sem respaldo e sob alto risco de um salto inflacionário e cambial. Em três meses, a emissão chegou a 4% do PIB. O déficit fiscal pode passar de 10% no ano.

"Ao contrário dos países da região, que contam com boa situação fiscal, fundos anticíclicos, capacidade de captar recursos no mercado e reservas nos bancos centrais, a única coisa que a Argentina pode fazer é emitir sem respaldo uma moeda sem credibilidade", aponta Marcelo Elizondo.

Empobrecimento acelerado

Os analistas preveem uma tragédia social. Se em 2017, com o crescimento econômico, a Argentina tinha conseguido melhorar o índice de pobreza em 5,6 pontos, baixando a 25,7% da população, com a crise iniciada em abril de 2018, a pobreza subiu dez pontos, atingindo 35,6% em dezembro passado. Com a pandemia, esse índice pode subir cerca de 20 pontos, passando de 50% da população.

"O problema de uma quarentena tão severa e prolongada é uma destruição diária de empregos, com um impacto social tremendo. Devido à prévia situação econômica do país, não há recursos para amenizar os efeitos dessa situação. Teremos um incremento muito significativo da pobreza", prevê Aragón.

Além de a classe média passar a ser pobre, os pobres devem ficar ainda mais pobres. "Em termos de tensão social, o problema mais grave será o aumento da indigência, que poderá duplicar (de 8% a 16%). Será um processo acelerado de degradação social", aponta Aragón.

Calote da dívida

Com as falências, empresas que se retiram do mercado (Latam) e ameaças de expropriações por parte do Estado (Vicentín), os credores externos veem uma falta de compromisso com o equilíbrio fiscal e com a proteção dos investimentos, necessários para uma recuperação pós-pandemia.

Assim, quando um acordo de reestruturação da dívida de US$ 66,3 bilhões estava a ponto de ser anunciado há duas semanas, as negociações fracassaram e foram adiadas pela quinta vez. Os credores passaram a pedir mais e querem garantias legais contra um novo calote no futuro.

"Os credores ficaram mais exigentes porque vão receber novos títulos da dívida reestruturada, com uma cotação em baixa, e porque o país tem um histórico de nove calotes. No futuro, os países vão gerar boas expectativas de saída da pandemia por terem instituições econômicas respeitadas, enquanto a Argentina não tem credibilidade", conclui Elizondo.