A iniciativa dos governos sueco e dinamarquês é uma tentativa de apaziguar as relações diplomáticas com países de maioria muçulmana depois dos protestos dos últimos dias.

Fernanda Melo Larsen, correspondente da RFI em Copenhague

A Dinamarca e a Suécia estudam a adoção de dispositivos legais que possam proibir a queima de mais exemplares do Alcorão por cidadãos dos dois países. No caso da Dinamarca, o governo já tem ações concretas planejadas para diminuir as tensões causadas pela profanação do livro que contém textos sagrados para os muçulmanos.

O ministro dinamarquês das Relações Exteriores, Lars Løkke, defende uma intervenção das autoridades em situações em que outros países, culturas e religiões estejam sendo insultados, já que tais atos podem ter sérias consequências negativas para a Dinamarca, inclusive no que diz respeito à segurança do país.

“Não é porque nos sentimos pressionados a fazê-lo, mas sim porque nossa avaliação política diz que é do maior interesse de todos. Não podemos esperar sentados que a situação exploda”, disse o ministro.

Já na Suécia, o primeiro-ministro conservador Ulf Kristersson publicou em uma rede social que manteve conversas sobre o assunto com a primeira-ministra da Dinamarca, a social-democrata Mette Frederiksen. "Estamos na situação política de segurança mais grave desde a Segunda Guerra Mundial [com a guerra na Ucrânia], e aqui em casa sabemos que tanto Estados quanto atores estatais e indivíduos podem tirar proveito dessa situação”, disse o dirigente sueco.

Os países escandinavos querem seguir o exemplo da vizinha Noruega, onde é ilegal se fazer declarações que ameacem ou insultem alguém, seja por manifestação de ódio ou devido à religião da pessoa.

Limite na liberdade de expressão

Apesar do governo da Dinamarca ter a maioria no Parlamento, e poder, assim, lançar uma tramitação de emergência para que as medidas entrem rapidamente em vigor, a premiê Mette Frederiksen tem encontrado resistência tanto nos tradicionais partidos de direita quanto nos partidos de esquerda para endurecer a legislação.

Os dois partidos de esquerda – Lista da Unidade e Esquerda Verde – são contra a tentativa do governo de proibir a queima do Alcorão em frente às embaixadas. Segundo os líderes desses partidos, o caso interfere nas liberdades fundamentais que países com baixo nível de direitos humanos não devem decidir.

“Não devemos mudar nossa legislação porque alguns regimes despóticos – que não têm nem mesmo o mais remoto respeito pelos direitos humanos mais básicos – ameacem os interesses de exportação das empresas", escreveu a líder do partido Lista da Unidade, Mai Villadsen, em uma rede social.

Já o presidente do Partido do Povo Dinamarquês, Morten Messerschmidt, considera "chocante" que o governo queira introduzir um princípio que se aplica ao mundo muçulmano, na Dinamarca.

“Devemos fazer prevalecer que, na Dinamarca, não é o Alcorão ou as regras muçulmanas que se aplicam. Elas podem se aplicar ao mundo muçulmano, mas aqui temos liberdade de expressão e ela também se aplica às coisas de que não gostamos”, criticou o líder do partido de direita.

Para o político Rasmus Paludan, líder do partido de extrema direita Stram Kurs, e conhecido por ter queimado exemplares do Alcorão tanto na Dinamarca quanto na Suécia, essa proibição só levará a outros métodos que podem profanar o livro religioso. “Existem muitas possibilidades, como usar excrementos de porcos, por exemplo”, afirmou Paludan.

Nível de ameaça à segurança elevado

Enquanto os representantes políticos discutem uma saída para apaziguar as tensões, os setores de inteligência e combate ao terrorismo da Suécia e da Dinamarca estão em estado de alerta contra atentados. Na Suécia, de acordo com a vice-diretora de proteção contra o terror, da polícia de inteligência do país, Susanna Trehörning, "a situação é grave".

“Na escala de alerta de cinco pontos, estamos no nível 3, o que significa uma ameaça intensificada", explicou a policial. "No âmbito de uma ameaça intensificada, pode ocorrer um ataque", alertou a vice-diretora da Säpo.

Na Dinamarca, desde março, a polícia de inteligência (PET) classifica o nível de alerta contra atentados na categoria 'grave'. Depois que novos livros foram queimados em frente a embaixadas, nos últimos dias, o risco tornou-se preocupante.

Na segunda-feira (31), sete exemplares do Alcorão foram queimados no território dinamarquês. À noite, a polícia informou em sua página oficial do Twitter que havia recebido um telefonema sobre uma possível ameaça de bomba na principal rua comercial de Copenhague. A área foi isolada, mas nenhum explosivo foi encontrado.