O acordo de reciprocidade que permitia a migração dos advogados brasileiros para Portugal foi interrompido unilateralmente pela Ordem dos Advogados de Portugal, na última terça-feira (4), para a surpresa da OAB, a Ordem dos advogados do Brasil. A decisão foi anunciada, inesperadamente e está causando polêmica e indignação. 

Luciana Quaresma, correspondente da RFI em Portugal

Um processo de diálogo, iniciado há vários meses, entre Brasil e Portugal estava em curso com o objetivo de aperfeiçoar o acordo existente entre os dois países que permitia a inscrição de advogados brasileiros nos quadros da advocacia de Portugal e vice-versa. A polêmica começou quando as alterações para um novo acordo propostas pela Bastonária de Portugal (presidente da Ordem), Fernanda de Almeida Pinheiro, não foram aceitas pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti, que pediu mais tempo para avaliar as mudanças da minuta. A bastonária não ficou satisfeita com a resposta do presidente da OAB e anunciou em comunicado, nesta última quarta-feira, o rompimento unilateral do acordo de reciprocidade assinado entre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Ordem dos Advogados de Portugal (OAP), em dezembro de 2015. 

Portugal tem mais de 3.000 advogados brasileiros inscritos na OAP

Com esta decisão, Portugal já não irá aceitar a inscrição de advogados formados no Brasil a partir desta quarta-feira (5). Portanto, o acordo assinado pelas duas partes fica sem efeito.

Estava previsto no estatuto da OAP, em regime de reciprocidade, a permissão dos advogados portugueses de exercerem funções no Brasil (a Justiça brasileira conta com quase 2000 advogados com nacionalidade portuguesa) e, por outro lado, previa também a inscrição de advogados brasileiros com dispensa da realização de estágio e da obrigatoriedade de realizar prova de agregação.

Dos cerca de 34 mil profissionais inscritos na Ordem de Portugal, 3.173 são brasileiros, o que corresponde a um aumento de quase 482% em relação aos 536 inscritos em 2017, de acordo com os dados divulgados em dezembro do ano passado pela Ordem dos Advogados de Portugal.

A OAP propôs em uma minuta enviada a OAB várias alterações, entre elas, uma prova para os advogados que tivessem interesse em se inscrever na ordem de Portugal. Só estariam aptos a exercer funções em solo português com a aprovação, algo que, até então, não era necessário. 

OAB fala em discriminação e preconceito

Em carta, Beto Simonetti, presidente nacional da OAB, disse que o Conselho Federal da Ordem dos advogados do Brasil ficou surpreendido neste terça-feira pela decisão da Ordem dos Advogados de Portugal. Simonetti fez questão de ressaltar que, durante toda a negociação, a OAB foi contra alterações no acordo que fossem pautadas na discriminação contra os advogados brasileiros e escreveu: “A OAB se opôs a qualquer mudança que validasse textos imbuídos de discriminação e preconceito contra advogados e advogadas brasileiras. A mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história, não mais no dia a dia das duas nações’, escreveu Beto Simonetti em resposta ao comunicado da OAP.

Simonetti também ressaltou a importância da cooperação e amizade entre Brasil e Portugal, inclusive na advocacia, que têm “resultado em inúmeros benefícios para ambos os países, e sobretudo, para seus cidadãos. Tendo em vista o anúncio unilateral, Simonetti afirmou que a OAB tomará “todas as medidas cabíveis para defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal”, lê-se na carta.

Essa decisão da Ordem dos Advogados de Portugal de sair do acordo não foi bem aceita, também, entre os advogados brasileiros e está sendo vista como uma medida discriminatória. “Além das medidas propostas que visavam estágio e provas para os advogados brasileiros, também existia na minuta sugerida pela Bastonária que os profissionais que viessem com a formação do Brasil teriam em sua cédula uma identificação de que a sua formação não teria sido feita em Portugal e que se tratava de um advogado do Brasil. Isso, por si só, traria uma descriminação entre dois tipos de advogados dentro de uma mesma ordem.

Em outra alteração proposta pela bastonária, estaríamos proibidos de nos inscrevermos em outras ordens dentro da União Europeia já que, uma vez inscritos em Portugal e com todos os requisitos aprovados por cada ordem é possível se inscrever em outros países, mas com a nova proposta da OAP os advogados formados no Brasil não poderiam mais se inscrever, apenas advogados portugueses poderiam fazer a sua inscrição em outras ordens de outros países da União Europeia. Mais uma questão, claramente, discriminatória, explica Anna.

Segundo a advogada, existe uma questão de teor técnico muito importante sendo discutida neste momento. “Dentro das medidas que estão sendo questionadas pelos advogados brasileiros aqui em Portugal, uma questão técnica que é de extrema relevância: uma deliberação  do conselho geral da ordem dos advogados portugueses não poderia se sobrepor a uma norma estatutária, ou seja, uma reunião do conselho geral  que deliberou e fez esse comunicado retirando-se do acordo bilateral não poderia acontecer uma vez que teria que seguir o que está previsto no estatuto da ordem dos advogados e isso se daria através de submissão desta decisão à uma assembleia geral, coisa que não foi realizada. Então existe uma questão técnica que está sendo discutida neste momento”, explica.

Advogados brasileiros em Portugal inseguros 

Para os advogados brasileiros já inscritos na Ordem de Portugal, por enquanto, nada muda.

Segundo Anna Luiza Pereira, os advogados que já estão inscritos essa quebra do acordo não irão provocar nenhum impacto, pelo menos neste primeiro momento, mas ela diz que o sentimento de insegurança é grande. “Para os advogados já inscritos, neste momento, não há mudanças, mas ficamos, obviamente, com uma insegurança muito grande, visto que as coisas mudam de uma forma aleatória, do dia para a noite, na surdina como vimos acontecer. É claro que ficamos todos inseguros com isto, mas, de imediato, não há nenhuma alteração para quem já está inscrito na Ordem dos Advogados de Portugal e esses continuam habilitados a exercer funções em território português da mesma forma que antes.