Abril de 1890. Anton Tchékhov, um médico de trinta anos que começava a fazer seu nome na literatura russa, decide empreender uma viagem até uma ilha-presídio no Pacífico, ao norte do Japão e a mais de 9 mil quilómetros de Moscou, onde vivia confortavelmente. A própria jornada, que levaria cerca de três longos meses pelas agrestes vastidões da Rússia, era uma aventura com elementos de autoprovação.




Já diagnosticado com a tuberculose que o mataria aos 44 anos, Tchékhov penaria ao longo do caminho e por pouco não pereceria.




Por que, afinal, ele se decidiu por isso? Nem mesmo Tchékhov saberia explicar direito. O próprio autor se refere a uma suposta “mania sacalinosa”. O espanto e a incompreensão não eram gratuitos. Para viajar ele não dispunha de autorizações oficiais, cartas de recomendação, qualquer tipo de papel oficial.




Naquele tempo, Sacalina era uma das fronteiras orientais da expansão colonial do Império Russo e — mais importante — era ali que o tsar tinha estabelecido uma grande colônia agrícola e penal de deportados. Embora terrível, essa não era uma ideia propriamente original: povoar territórios coloniais com condenados era algo praticado por outras nações expansionistas, como França e Inglaterra.




O interesse de Tchékhov era fazer o recenseamento da população deportada, com ênfase no levantamento das condições sanitárias, higiênicas, nutricionais e médicas. Chegando lá, boa parte de sua objetividade e atitude científica esvaneceu-se diante de um quadro de abandono quase absoluto. Era em Sacalina que tentavam sobreviver — da maneira mais ultrajante — os esquecidos e os proscritos.

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