69-Transferindo para as palavras.

A doença de escrever.

Freud sugere que se transfira às palavras.

Deixar o registro nas palavras.

Não precisa que ninguém leia.

Deixar lá os relatos.

Van Gogh pintando e deixando lá a insuportável existência humana na pintura.

Não viso o reconhecimento de ninguém: alguém reconhecer é fracasso.

Quem quiser uma âncora que leia o que se encontra escrito.

Vou deixar aí registrado nas palavras.

A pessoa que estiver querendo uma âncora, uma leitura, vai lá e pega e lê, ou vê o quadro, ou vê a peça.

Para ancorar sua existência no mundo, não em mim.

Não vou traduzir nada.

Traduzo para mim, claro, e deixo escrito.

Fica registrado então a memória.

Pouco me importa se alguém vai ler ou não.

Preciso fazer isso.

A doença de escrever.

Que me ajuda a passar o tempo.

Enquanto me alimento, luto pelo meu dinheiro, aluguel, condomínio, enquanto tomo banho, faço minha higiene, enquanto vou numa loja comprar uma roupa porque não devo andar feio para não ser notado como louco pelos demais.

Basta tirar umas duas horas por dia.

Para deixar registrado nas palavras.

Machado deixou registrado nas palavras.

As mil voltas com a linguagem.

Ele não precisou fazer sucesso em vida não.

Muito embora tenha feito sucesso.

Que valeu o reconhecimento dele na ABL como fundador?

Freud não estava errado: Machado transferiu às palavras.

---

Send in a voice message: https://podcasters.spotify.com/pod/show/psicanaliseemato/message